sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Capítulo 17 - Além


Quando eu abri os olhos, a minha vista foi penetrada por uma forte luz branca, eu estava deitada sobre um chão frio e úmido. Demorei um pouco para perceber que a luz era transmitida por uma lanterna, jogada próxima a mim. Intrigada, porém, amedrontada demais para pensar em uma razão para ela estar ali, eu me movimentei para pega-la, sentindo as minhas pernas doerem devido a queda. Eu podia dizer que meu rosto estava machucado, pela dor aguda que eu sentia na área, e a nauseante sensação de sangue brotando da minha testa e nariz. O forte e misterioso mal cheiro do lugar penetrou as minhas narinas, e me fez tossir, parecia haver algo morto ali. Tremendo, e sem levantar do chão, eu peguei a lanterna, e vasculhei o lugar, lentamente, sem saber ao certo o que eu procurava. As paredes enegrecidas indicavam que houvera um incêndio ali, a escuridão era assustadoramente densa, devido à profundidade da câmara. Por um momento eu havia esquecido de Janaína, tudo o que eu pensava era em arrumar um modo de sair dali, foi quando a luz da lanterna revelou algo na escuridão que fez o meu sangue gelar. Eu gritei aparavorada, recuando no chão, e largando a lanterna, ao me defrontar com o rosto de Barbara Regina, sem vida, largada em meio a sujeira e destroços do lugar. O corpo parecia estar em um avançado estado de decomposição, por isso o intenso fedor que tomava conta de toda a câmara. Eu só pude reconhecer que era, de fato, Barbara, pela farda do colégio e seu longo cabelo dourado. Seus olhos estavam revirados, inertes, e sua boca meio aberta e seca.
Eu continuei gritando, encostada em uma parede, na esperança que alguém ouvisse, e viesse me tirar dali o mais rápido possível. Foi quando eu voltei a minha atenção para uma voz familiar, que vinha da passagem, acima de mim...
- Olha, eu sei que você tava morrendo de saudades dela, mas quer fazer o favor de calar essa boca!? Ninguém vai te ouvir aí de baixo - disse Janaína, do alto.
- Você... você... Ela tá morta... - eu dizia, desesperada. Não racionava direito, e evitava olhar o cadáver ao meu lado.
- Bem notado... Mas se você pensar bem... tecnicamente, não foi eu quem a matei, mas sim a sua amiga Gabriela, não acha!? - disse Janaína, friamente.
- Helene... É você no corpo da Janaína, não é!?... Escuta... não... não é a Janaína que você quer... Você quer a mim, deixa ela em paz... - eu implorava, olhando para a imagem da minha amiga, no alto.
- Você se acha a estrela do filme, não é!? Tipo; a mocinha que vive escapando do assassino, e sempre sobrevive pras sequências!? Quem disse que eu quero você? - ela perguntou, com um insuportável sorriso no rosto.
- Mas... a Janaína não tem nada com isso tudo... - eu disse, achando super estranho o fato de estar dirigindo essas palavras para a imagem da própria Janaína.
- A sua amiga tem TUDO a ver com isso... - ela disse, enfurecida - Ou melhor... a mãe dela tem.
- O quê...? - eu disse, sem ter absorvido direito o que Helene acabara de dizer.
- Depois que eu morri... Fiquei vagando pelos corredores do Lar, com todo este... ódio dentro de mim... Procurando pelas pessoas responsáveis pela minha morte... Claro que todas elas haviam saído da escola, depois do que acontecera. Então eu fiquei aprisionada aqui, por anos, enquanto esse... esse sentimento crescia e se fortalecia dentro de mim... Eu precisava me vingar... essa seria a única maneira de sair daqui... me satisfazendo... Alguns anos se passaram, até que um dia... eu finalmente a reencontrei... Matriculando a filhinha no Lar... Paula... - o nome parecia queimar em sua garganta, tamanho era o ódio que ela aparentava sentir ao pronunciá-lo - A mãe da Janaína... A partir desse dia, a sua melhor amiga passou a ser o meu alvo principal. Apesar da minha sede de vingança, eu decidi esperar até que Janaína estivese no primeiro ano ginasial, por razões que talvez você já saiba quais... Mas então você e o seu maldito dom entraram no meu caminho... Por alguma razão, que não me interessa, você começou a me ver justamente no início deste ano, e como se não bastasse, uniu forças com a bibliotecária drogada... O fato de vocês duas poderem me ver me assustou muito, eu devo admitir... Isso atrapalhou os meus planos, e me deixou muito furiosa no início, mas... eis que o destino sorri para mim, mais uma vez... e a filha de Lúcia Machado, a pobre Gabriela, entra para o Lar... se tornando, então, o meu novo alvo. Eu passei a atormentá-la, por pura diversão... e quando finalmente consegui possuir o seu corpo... eu a usei para matar Barbara e Alycia... Não que eu tivesse, exatamente, um bom motivo pra fazer isso, sabe!? Elas simplesmente me lembravam muito a dupla dinâmica Paula e Lúcia, e isso me dava nos nervos... - ela parecia se deliciar com as memórias de seus feitos doentios - Claro que algumas coisinhas não terminaram da maneira como eu planejava, tipo; eu mesma queria ter cortado a garganta da Gabriela, mas ela conseguiu se livrar de mim por um instante e, desesperada, fez isso a si mesma... Apesar de eu ter gostado muito que você tenha presenciado o suicídio... acredito que tenha te traumatizado bastante, coitadinha...
- Como você pôde...? - foi tudo o que eu consegui pronunciar com o impacto das revelações que Helene acabara de fazer.
- A MÃE DA GABRIELA... - ela alteou a voz, tentando me calar - teve o que mereceu por ter ajudado a infernizar a minha vida, e a dos meus dois únicos amigos, Caio e Marcos... Depois que a filhinha dela se matou, eu decidi ficar fora de vista por alguns meses, pra você ficar mais vulnerável, e então eu pude atacar quem eu realmente queria, desde o início... e foi muito fácil, já que a Janaína não tem esse poder que você tem, e que a pobre Gabriela também possuia dentro de si, por mais que em menor intensidade... Mas como eu ia dizendo; a idiota da Lúcia não foi a autora de todas as coisas terríveis que fizeram contra mim nessa escola... Não... Lúcia Machado não passava de um capacho para a verdadeira rainha do Lar, no tempo em que eu estudei aqui... Paula, ela foi a grande arquiteta do planinho que acabou transformando o Refugium em um túmulo que eu compartilhei com meus amigos... - ela chorava de raiva, mas contar aquela história parecia também estar lhe proporcionando um prazer doentio.
De repente, tudo fazia sentido, e a linda garota ao lado de Lúcia Machado na foto da turma do primeiro ano ginasial de 1978, e que sempre me parecera estranhamente familiar, ganhara a face da mãe de Janaína.
- Vocês... morreram aqui...- eu disse, para mim mesma, olhando em volta de toda a câmara, imaginando o que acontecera ali.
- Acredito que a rata de biblioteca já tenha te contado boa parte da minha tórrida história de amor com a Paula, não é mesmo!?... Anita... aquela traidorasinha nojenta. Sempre se escondendo por trás daquela carinha de anjo, e de seus livros idiotas, como uma cobra esperando pra dar o bote...
- As únicas cobras nessa história toda foram você e a Paula... As pessoas ao seu redor nada mais foram do que vítimas... -comecei, desafiando-a.
- CALA A BOCA! - ela gritou, enfurecida, me assustando ao ver Janaína daquela maneira - Eu ainda não terminei... - ela se recompôs, e voltou a falar - Refugium... - ela disse, com uma espressão de puro deleite, como se estivesse lembrando de coisas boas. E eu pude perceber que ela tocava o nome cravado na parede - O nome foi pura frescura do Caio, que adorava latim... - ela sorriu, com um olhar distante, e eu quase pude sentir pena - Era para ser um confessionário subterrâneo, mas a obra foi cancelada por falta de dinheiro na época, e acabou sendo lacrada, e esquecida, por isso não tem escadas, nós usávamos uma de madeira... Eu, Caio e Marcos o descobrimos. Esse lugar foi o nosso verdadeiro lar, por vários anos... Aqui nós podíamos ser nós mesmos, sem dever nada a ninguém, sem sermos julgados pelos olhares das pessoas à nossa volta, o tempo todo... Podíamos... ficar em silêncio, por horas... E a Paula... ela acabou com tudo isso... - a raiva tomara conta de sua expressão, mais uma vez - Como último ato de vingança, ela e o seu grupinho descobriram onde o Refugium ficava, com a ajuda da Anita... e tocaram fogo no lugar, enquanto nós estávamos nele... Por um acidente, a traidora da Anita ficou presa aqui, e acabou morrendo também...
- Meu Deus... - eu estava horrorizada, não conseguia dizer mais nada. Minha mente estava em completo descontrole, várias coisas passeavam por ela naquele instante. Por um momento, quase pude entender a vontade de Helene em querer se vingar. Que modo terrível de morrer... e ao lado de seus melhores amigos. Mas, claro, aquela era a versão dela sobre a história, possivelmente envenenada pelo ódio que crescia dentro do pobre espírito.
- Agora se me dá licença... eu tenho que reencontrar uma velha amiga de escola... - disse Helene, começando a arrastar o confessionário para fechar a passagem...
- NÃO! ESPERA! POR FAVOR, HELENE...
- Calma, querida... Não precisa ter medo... Como você pôde perceber, eu te deixei uma lanterna, e uma ótima companhia para toda a eternidade... Eu não posso garantir que ela vá falar muito, pelo menos não nas primeiras semanas em que você estiver aqui... Mas eu tenho certeza que vocês vão virar grandes amigas - ela disse, com o habitual sorriso psicopata, exceto pelo fato de estar estampado no doce rosto de Janaína.
Ainda sorrindo, Helene fechou a passagem com o confessionário, enquanto eu gritava, implorando por misericórdia. Em instantes, a câmara foi totalmente envolvida pela escuridão, e pelo silêncio. A única coisa que se ouvia era o meu próprio choro. Eu nem tentara gritar, sabia que era inútil. Só me restava admitir a vitória de Helene, e apodrecer naquele lugar, junto com a resposta para o mistério em torno do desaparecimento de Barbara Regina. Eu me enconstei em uma parede, chorando histeriacamente, e tentando ao máximo ficar afastada da minha companheira de cela. A não ser que eu tivesse o poder de materializar uma escada de madeira com a força do meu pensamento, não havia maneira alguma de sair dali. O pânico tomava conta de mim, e depois de revistar o lugar inteiro com a lanterna, milhões de vezes, eu finalmente percebi o quanto aquilo era inútil, e apaguei a luz do objeto, me deitando no chão, toda encolhida, e não por causa do frio, o lugar era quente como o inferno devia ser, mas sim devido ao medo. "Então é isso!? A Helene vai vencer... - eu pensava, enquanto chorava com a face sobre o frio chão - Ela vai usar a própria Janaína para matar a Paula, e provavelmente, matar a própria Janaína depois que se vingar da sua antiga colega de classe... ou abandonar o corpo da pobre garota, e deixá-la viver com a culpa de ter matado a própria mãe, e enlouquecer por isso... E eu... Ficaria aprisionada no tal Refugium, imaginando todas essas coisas terríveis acontecendo com a minha melhor amiga, e provavelmente morrer de fome, sede, ou sabe-se lá mais o quê..." Foi quando eu escutei um forte barulho vindo da passagem acima de mim. Eu me levantei, subtamente, ligando a lanterna e apontando-a para o alto. O confessionário de madeira estava sendo arrastado novamente; uma fraca luz ia penetrando a passagem, à medida em que o confessionário era movido. Eu dei um gritinho de prazer, ao ver a face da minha salvadora.
- AMALLYA!? - gritou Olívia, do alto, aparentemente sozinha.
- OLÍVIA, OLÍVIA! EU TÔ AQUI EM BAIXO, ME TIRA DAQUI, PELO AMOR DE DEUS, OLÍVIA, POR FAVOR... - eu implorava, enquanto via Olívia erguer uma escada de madeira, que eu reconheci rapidamente como a que os zeladores usavam para trocar lampadas.
- CALMA, QUERIDA, EU TÔ AQUI, EU VIM TE AJUDAR...
A escada mal chegara ao chão, e já eu comecei a subi-la, agradecendo a Deus por não ter permitido que eu apodrecesse naquele buraco. Chegando ao topo, eu não disse mais nada antes de abraçar Olívia, como nunca abraçara ninguém em toda a minha vida, chorando feito uma criança que era acolhida pela mãe, depois de ter levado uma queda. Foi quando eu percebi que ela não estava sozinha...
- Você tá sangrando, Carol! - disse Anita, aparentando estar mais assustada do que eu. Não que isso fosse uma novidade - Meu Deus, a Helene... ela não vai parar nunca...
- É um pouco tarde pra perceber isso, querida - disse Olívia, sarcasticamente.
- A Helene... (eu tentava repôr o ar) ela... ela tá com a Janaína... na Janaína... - eu disse, ainda muito nervosa.
- Nós já sabemos de toda a história, Carol... - disse Olívia, acariciando a minha face coberta de sangue e suor, na tentativa de me acalmar.
- Eu tenho seguido a Helene, desde a conversa que você teve com a Olívia sobre ela estar de volta... Eu não podia permitir que ela fizesse com você o que fez com as outras garotas - disse Anita, demonstrando todo o seu afeto por mim, e fortalecendo o grande carinho que eu já sentia por ela. Por mais estranho que pudesse parecer, alguém nutrir qualquer tipo de sentimento por um fantasma - Eu vi quando vocês entraram no bosque, então eu as segui até a igreja, e quando ela te empurrou aí dentro, eu corri pra chamar a Olívia...
- Muito obrigada, Anita. Obrigada a vocês duas...
- É verdade? O corpo da menina Barbara... tá aí embaixo? - perguntou Olívia, dando uma espiada na passagem, e recuando ao sentir o fedor que emanava do lugar.
- Sim... Mas, infelizmente, nós não temos tempo pra tirá-lo daí, ainda. A Janaína e a mãe dela estão correndo grande perigo...
- Claro, claro. Vamos pro meu carro... Acho que você vai ter que ficar aqui, Anita... - disse Olívia.
- Nós precisamos ir até o dormitório feminino, antes. Janaína tem a cópia da chave da casa dela, guardada na bolsa, nós vamos precisar caso a Helene já tenha chegado lá... - eu disse, começando a caminhar para fora da igreja.
Olívia e Anita me seguiram, e nós nos precipitamos pelo bosque, em direção à entrada da escola.
Chegando ao dormitório, que encontrava-se em perfeito silêncio, eu corri para a bolsa de Janaína, sem me preocupar em acordar as outras meninas no lugar. Quando eu finalmente encontrei a chave dentro do bolso frontal da mochila de Janaína, agarrei-a, fortemente, com a minha mão direita e corri para o lado de fora do dormitório, onde Olívia e Anita me esperavam.
- Vamos embora de uma vez, antes que alguém nos veja... - disse Olívia, apreensiva.
- Espera! - eu parei subitamente, fazendo Olívia se estressar.
- O que foi dessa vez? - ela disse, agressiva.
- Eu preciso chamar o Olavo...
- O quê? Você enlouqueceu de vez, Carol?! - disse Olívia, tornando-se cada vez mais apreensiva com toda a situação.
- Se o pior acontecer hoje... - imaginei como seria devastador para Olavo perder suas duas melhores amigas - Olavo tem o direito de saber o que realmente aconteceu, e não uma versão mentirosa contada pela polícia, ou sei lá... Tá na hora do meu melhor amigo saber a verdade sobre mim... - eu disse, me dando conta do quanto eu realmente estava decidida a contar a Lavinho sobre o meu dom, e sobre todos os problemas que ele vinha me trazendo. Não fazia mais sentido esconder algo tão importante sobre mim, de alguém tão importante para mim. Olavo tinha o direito de saber, assim como Janaína... eu só lamentava não ter percebido isso antes.
- Tudo bem, mas anda logo! - disse Olívia.
Eu corri para o dormitório masculino, e empurrei a enorme porta, me dando conta de que aquela era a primeira vez que eu entrava naquele lugar, que não tinha diferença alguma do dormitório feminino, exceto pelo cheiro, que de primeira, me lembrou meias suadas, e pelo barulho irritante dos roncos. Eu procurei por Olavo, tentando fazer o mínimo de barulho, e o encontrei em uma cama muito próxima à janela, no outro lado do dormitório. Ele dormia sem camisa, usando apenas uma samba-canção com estampa do Bob Esponja. Era a primeira vez que eu via Lavinho sem camisa, em muito tempo, e era notável que ele havia mudado muito, devo confessar que fiquei ligeiramente entertida observando o seu abdomen magrinho, antes de acordá-lo.
- Lavinho!? - eu repetia, enquanto sacudia o seu corpo, sabendo que seria uma árdua tarefa acordá-lo, uma vez que o seu sono era super pesado - Lavinho, acorda! - eu disse, dando tapinhas leves em seu rosto.
- O quê...? Que porra é... AMALLYA!? - ele disse, espantado, e cobrindo-se com o edredon da cama.
- Shhhh, silêncio, pô! Sim, sou eu, tô precisando da sua ajuda, é urgente... - eu disse, apressando-o a se levantar.
- Mas...
- Nada de "Mas", Lavinho. Veste uma camisa, e vem comigo - eu disse, olhando em volta, para ver se alguém havia acordado.
Olavo obedeceu, um pouco irritado por ainda estar com sono. Assim que ele vestiu uma camiseta regata, amarela, eu peguei a sua mão com força, e nós dois saímos do dormitório.
- Vai me explicar o que tá rolando, ou não!? - ele disse, impaciente.
- Prontos para ir? - perguntou Olívia, aproximando-se subitamente de nós, assustando Olavo, que não havia notado a sua presença.
- Mas o quê...? - começou Olavo.
- Estamos sim, Liv - eu respondi à pergunta de Olívia - Eu te explico no caminho - eu disse, dirigindo-me à Olavo.

Estávamos todos no carro de Olívia, um velho Fiat Uno Mille vermelho, rumo à casa de Janaína, e Olavo olhava para mim como se procurasse uma maneira educada de dizer que eu havia perdido a cabeça. Sim, eu acabara de contar quase tudo a ele, tendo guardado em segredo apenas a parte em que o fantasma de Leonardo estava no meu quarto, naquele exato momento, provavelmente, morrendo (de novo) de preocupação por minha causa.
- Isso tudo é... muita loucura... Você não pode pedir que eu acredite numa história dessas tão facilmente... - disse Olavo, parecendo preocupado comigo.
- Não importa se você acredita ou não, Lavinho... Eu só achei que você, mais do que ninguém, tinha o direito de saber - Eu disse, me sentindo estranhamente aliviada por ter compartilhado o meu segredo com Lavinho - A casa é essa com o jardim de girassóis, Liv - eu disse, ao perceber que nos aproximávamos da casa de Janaína.
- As luzes estão todas apagadas... - Comentou Olívia, apreensiva.
- Isso não é bom... - eu disse, saindo do carro, antes mesmo de Olívia estacioná-lo apropriadamente.
- Espera, Amallya! - disse Olívia, enquanto estacionava o carro, próximo à cerca de madeira, que antecedia o jardim.
A rua em que Janaína morava possuia uma ótima iluminação noturna, e era, notavelmente, muito nobre. Todas as casas eram enormes, luxuosas, e não muito diferentes umas das outras, a de Janaína não ficava de fora desse padrão, o jardim, no entanto, dava à residência um certo destaque com relação as outras. Eu corri pela calçada ladeada de girassóis, em direção à porta dupla, de entrada da casa, girando a chave na fechadura, e abrindo-a, sem pensar duas vezes. A casa estava perfeitamente silenciosa, e escura; a única luz acesa era a de um lindo abajour em forma de bailarina, sobre uma mesinha ao lado do sofá de curva, na sala de estar. Eu podia sentir a respiração cautelosa de Olavo, atrás de mim. Olívia foi a última a entrar, e tentava fazer o minímo de barulho possível ao trancar a porta.
- A casa não parece ter sido invadida... - comentou Olavo, baixinho.
- A Helene estava no corpo da Janaína, se ela entrou, fez isso facilmente, não acha!? - eu disse, no mesmo tom de voz dele, olhando em todas as direções, tentando detectar o menor sinal que denunciasse alguém à espreita, na escuridão.
- Não tem ninguém aqui embaixo... - sussurrou Olívia, que de todos parecia ser a mais tranquila - Vamos subir, devagar - ela tomou a frente, envolvendo a mim e a Olavo, com os braços para trás, como se estivesse nos protegendo com enormes asas, enquanto suabíamos a escada (ornamentada, tanto nos degraus; cobertos com um imenso carpete vermelho, quanto no corrimão; pintado de dourado) que nos levaria para o andar de cima, onde ficavam os quartos.
Chegando ao fim da escada, havia um corredor , iluminado por outro abajour sobre um console, com um imenso espelho atrás do luxuoso móvel. À nossa direita havia uma porta entreaberta, e uma fraca luz era emitida de dentro do cômodo, assim como um barulho ilegível. Sem exitar, Olívia entrou no quarto, fazendo sinal para que eu e Olavo a seguisse. O barulho vinha da TV, sintonizada em um canal que transmitia "All about Eve" com a Bette Davis, um dos meus filmes favoritos. No quarto havia uma enorme cama de casal, coberta com um edredom branco, ligeiramente bagunçado. Olívia parou, bruscamente, ao se deparar com a presença de uma mulher alta, e de uma beleza hipnotizante, trajando um longo roupão de seda roxo. A mãe de Janaína estava de costas para a enorme porta de vidro da varanda do quarto, decorada com uma uma cortina em um tom ligeiramente cinza, que se movia fantasmagoricamente, de acordo com o vento que entrava por uma brexa da porta meio-aberta. A mulher nos encarava de uma maneira, no mínimo, inesperada; não havia medo em seu olhar, e ela parecia mais curiosa do que surpresa com a nossa "invasão". A luz da lua, que invadia a varanda atrás dela, contornava o seu corpo, deixando o seu rosto sombreado, e dando a ela uma expressão assustadora, injusta para a sua beleza.
- Quem são vocês?... O que estão fazendo em minha casa?... - ela perguntou, finalmente demonstrando alguma indignação.
- Senhora... nós viemos te ajudar... - começou Olívia, parecendo nervosa.
- Não se lembra de mim, Paula? - eu perguntei, estranhando o fato de Paula não estar reconhecendo a melhor amiga da própria filha, e que há anos quebrara um precioso objeto de decoração que lhe pertencia - Eu sou amiga da Janaína...
- Como vocês entraram aqui? - perguntou a mulher, que começava a ficar enfurecida.
- Calma, Paula, nós podemos explicar... Sobre a sua filha... - começou Olívia, tentando acalmar a mãe de Janaína.
Por um instante, eu desviei a atenção da estonteante mulher, e olhei para a porta do banheiro, (ao lado da estante em que estavam a TV e alguns livros) prendendo a respiração ao ver que um pé humano e pálido, a mantinha entreaberta. Por um flashe de momento, eu me dei conta de que a pessoa jogada no chão do banheiro era Janaína...
- OLÍVIA! - eu gritei, institivamente, e tudo o que aconteceu depois, foi muito rápido...
Olívia desviou a atenção para a porta do banheiro, dando a oportunidade para Paula puxar uma faca de cozinha, escondida dentro do roupão, e atacá-la, subitamente, com uma apunhalada no braço direito, fazendo Olívia libertar um grito abafado, de dor e espanto.
- NÃÃÃO! - gritamos eu e Olavo, ao vermos a trágica cena.
Olívia despencou no chão com a dor, e Paula correu em direção a Olavo, arremeçando-o com uma força incrível contra a parede próxima à porta do banheiro, me agarrando fatalmente pelo pescoço, em seguida. Eu pude reconhecer a fúria de Helene nos olhos de Paula, que apertava o meu pescoço com uma das mãos, e segurava a faca de cozinha (banhada com o sangue de Olívia) com a outra. A sua força com uma única mão era incrível, eu tentava me livrar de suas garras, mas era inútil.
- Você se intrometeu em meus planos, pela última... vez - disse Paula. Seus olhos queimavam de prazer e fúria.
Suas unhas cortavam a minha pele, tamanha era a força com que ela apertava meu pescoço. Helene estava decidida a me matar, mas eu não estava disposta a desistir da minha vida tão facilmente...
E eu senti... senti uma estranha e poderosa vibração que emanava de dentro de mim... de dentro da minha alma... algo que poderia salvar a minha vida. Eu olhei para Olívia, que sangrava caída sobre o chão, porém ainda consciente, olhando de volta para mim. E com um simples toque em sua testa, a minha amiga ferida não me deixou dúvida alguma sobre o que fazer em seguida...
- Não... se preocupe... - eu me esforçava para falar, por mais que a dor me impedisse - você não vai me ver novamente, Helene... - eu disse, tão furiosa quanto a própria Helene.
Eu pus minhas duas mãos sobre a testa de Paula, deixando aquela estranha força que crescia dentro de mim, me tomar por inteira, sem pensar sobre o que era, ou o que faria comigo. Eu ouvi um grito de dor, e por um segundo, fui sugada para uma atmosfera pacífica, iluminada por uma densa luz branca, como a luz do sol. Parecia ser outra dimensão, eu flutuava no ar, me perguntando aonde eu estava, até retornar para a tensão no quarto de Paula, quando eu senti o meu corpo ser, violentamente, arremessado no chão. Ainda atordoada, eu olhei em volta do enorme quarto, me desesperando ao ver Olavo parcialmente inconsciente, e Olívia desmaida, próxima à Paula, que se contorcia de dor.
- Você não pode me tocar, Helene... - eu disse, me levantando do chão, conforme a dor nas minhas costas me permitia - É hora de desistir...
Paula agora possuia marcas, que lembravam arranhões, em seu lindo rosto - "Teria eu feito isso com ela?" - me perguntei, sentindo-me culpada por talvez ter machucado a mãe de Janaína.
Com os cabelos caindo sobre o rosto ensanguentado, Paula me olhou de forma ameaçadora, como se fosse voar para cima de mim, mais uma vez. Eu tentei manter-me firme, disfarçando o medo que sentia. No entanto, Paula não me atacou; o corpo da pobre mulher se contorceu, violentamente, para trás, enquanto ela libertava um terrível grito de dor, até, aparentemente, desmaiar. Por um momento, eu entendi o que Helene pretendia, e fui incapaz de impedí-la. A porta do banheiro foi aberta com violência, fazendo um barulho que ecoou por todo o quarto, e Janaína saiu de lá, mais uma vez sob o domínio de Helene, pegando a faca, próxima ao corpo de Paula. Quase que institivamente, eu me aproximei da mulher insconsciente, na intenção de protegê-la.
- Desista, Helene... - eu disse, debruçada sobre o corpo enfraquecido de Paula, olhando fixamente para Janaína.
- Helene...? Carol, sou eu... Ína... - disse Janaína, calmamente, com um semblante que não pertencia a ela - Não tá reconhecendo a sua melhor amiga? - Janaína sorriu, maliciosamente, deslizando a faca de cozinha pelo próprio pescoço, abrindo, de repente, um corte na área da garganta, libertando um fino jorro de sangue que deslizou pelo seu pescoço e seio, até a sua camisola.
- PARE, HELENE! - eu gritei, desesperada.
Janaína parou a faca sobre o corte recente, e me olhou, parecendo se divertir...
- Ok... - ela disse, finalmente tirando a faca do próprio pescoço - Vamos fazer um simples trato, então... e você não vai poder recusar... - ela disse, em tom de ordem - Me dê a Paula... e eu deixo você e a sua amiguinha em paz - ela disse, passando a deslizar a ponta da faca sobre o próprio seio.
De relance, eu olhei para Olavo, que aos poucos começava a recobrar a consciência, e logo depois para Olívia, que se erguia do chão, devagar, pressionando o ferimento no braço, aproximando-se sorrateiramente de Janaína. Percebendo o que ela pretendia fazer, eu tentei ganhar tempo...
- Será que você não se cansa de manchar as mãos com sangue inocente, Helene!?... - comecei, conseguindo ganhar a atenção dela - Primeiro foram os seus dois melhores amigos; o Caio e o Marcos...
- Eu não vou hesitar em matar outra amiguinha sua, Amallya... NÃO ME PROVOCA!- ela gritou, enfurecida, voltando a pôr a faca no próprio pescoço.
- Os dois, assim como a pobre da Anita, não tinham nada a ver com a briguinha infantil entre você e a Paula, e acabaram morrendo...
- CALA A PORRA DA SUA BOCA! - ela gritou, aos prantos, batendo na própria cabeça com as mãos, como se tentasse se livrar de memórias que a atormentavam.
- E a culpa não foi da Paula, Helene... Você transformou uma simples birra entre colegiais, em uma doentia busca por vingança...
- NÃO! NÃO! NÃO!...
- Você os matou... ... você.
A fúria de Helene havia alcançado o seu limite; pocessa de raiva, ela tentou correr em minha direção, quando Olívia a surpreendeu pelas costas, jogando-a rapidamente contra a estante com a TV e os livros, e pressionando a testa de Janaína com as duas mãos, fechou os olhos, concentrando-se em banir Helene do corpo da minha amiga, e deste mundo, de uma vez por todas. Janaína agonizava de dor; era Helene lutando contra os poderes de Olívia, lutando para permanecer entre nós, mas a luta já estava ganha, eu só me preocupava com os danos que aquilo causaria à minha amiga. Eu corri para socorrer Olavo, que via toda a perturbadora cena, escorado em uma parede, próxima à porta de vidro da varanda. Eu o abracei, perguntando se estava tudo bem, ele não respondeu nada; assim como eu, continuou observando a luta que era travada bem na nossa frente. Os gritos de Janaína ecoavam assustadoramente pelo quarto, mas um outro barulho, quase imperceptível, subitamente me chamou a atenção; bem atrás de mim, eu podia ouvir o vidro da porta da varanda estalando, e aos poucos, pequenas rachaduras iam se formando nele...
- Olívia...? - eu disse, tentando alertá-la sobre a porta de vidro, que começava a rachar de forma ameaçadora, e inexplicável. Olívia não respondeu, parecia estar em outro lugar, talvez o pacífico lugar onde eu estivera por um milésimo de segundo, quando entrei em contato com o espírito de Helene. Quando eu olhei novamente para a porta, as rachaduras haviam aumentado tão rapidamente, que só deu tempo de me afastar com Olavo, quase empurrando-o, antes que a enorme porta de vidro explodisse em milhões de perigosos cacos. Olívia foi derrubada pelo impacto da explosão, enquanto Janaína ficara jogada no chão, coberta por cacos de vidro em variados tamanhos. Haviam cortes por todo o seu lindo rosto, e a garota estava completamente inconsciente. Eu ia ajudar Olívia, quando ela, com um pouco de dificuldade, se levantou por conta própria. O profundo corte em seu braço ainda sangrava de forma preocupante.
- Eu estou bem... É com ela que vocês devem se precocupar... - disse Olívia, ofegante, apontando para Janaína, que ainda estava inconsciente.
Eu me aproximei da minha melhor amiga, um pouco receosa de que ela ainda estivesse sob o domínio de Helene...
- Ína...? Você tá bem? - eu perguntei, acariciando o rosto ensanguentado de Janaína.
- Ela vai ficar bem... - disse Olívia, acariciando o meu ombro e o de Lavinho, tentando nos consolar - só precisa descansar... Ser hospedeiro de um espírito como a Helene pode ser uma experiência muito perigosa... O ódio que Helene carregava dentro de si era muito poderoso... - ela olhou para a porta de vidro estilhaçada - e isso afetou a Janaína também...
- Então acabou!? A Helene foi mandada de volta para... seja lá de onde aquela maldita retornou...? - eu perguntei, esperançosa, como eu não me sentia hávia muito tempo.
- Sim... A Helene retornou para o Além... da pior forma possível, mas retornou... Ela nunca encontrará a paz que outros espíritos merecem ter quando vão para o outro lado... Acredito que ela está condenada a ser um espírito eternamente atormentado pelo próprio ódio que carrega consigo...
- E pela culpa... - eu pensei alto, interrompendo Olívia.
Nós três ficamos em silêncio, obeservando Janaína, até Olívia tomar a iniciativa de tentar erguer a pobre garota, e colocá-la sobre a cama do quarto, com a minha ajuda e a de Olavo. Uma vez tendo colocado Janaína e Paula, uma ao lado da outra, sobre a imensa cama de casal, nós cobrimos as duas com o edredon, e nos retiramos do quarto, apreensivos. Eu e Olavo nos sentamos em um dos sofisticados sofás da sala de estar, minuciosamente decorada, enquanto Olívia ficou de pé, escorada no corrimão da escada, de frente para nós. Ela enrolava um lençol branco, tirado do guarda-roupa de Paula, em volta do corte no braço, no intuito de conter o sangramento.
- Não seria melhor a gente chamar um médico? - perguntou Olavo.
- E ter que explicar toda esssa bagunça!? Eu acho que não! Além do mais, não vai ser necessário... O dano maior não foi causado contra a saúde física, mas sim contra a alma delas, envenenadas pelo ódio de Helene. Logo elas estarão bem...
- A Janaína vai se lembrar de algo? - perguntei, preocupada com a saúde mental da minha amiga.
- Eu receio que não... Mas uma conexão com um espírito como a Helene, é o tipo de coisa que pode deixar muitas cicatrizes internas, Carol... Futuramente ela pode precisar da ajuda de amigos para curá-las - disse Olívia, olhando profundamente para mim e para Lavinho.
- Ok, mas os seus ferimentos não foram internos, Liv. Você não pode continuar sangrando desse jeito... Eu vou pedir uma ambulância - eu disse, preocupada com o estado de Olívia.
- É muita gentileza da sua parte, Carol, mas eu nunca me senti tão bem em toda a minha... - Olívia começou, tirando a mão do corte, por um segundo, permitindo que o lençol usado para fazer pressão, caísse, revelando um jorro de sangue sem fim.
Ao ver, de relance, o sangramento descoberto, Olívia revirou os olhos, ameaçando desmair. Sorte que eu e Olavo corremos para sustentar a corajosa bibliotecária, à tempo.
- Mudou de idéia? - perguntei, enquanto ajudava Olavo a apoiar Olívia nos ombros.
- É, acho que vocês me convenceram... - disse Olívia, ainda um pouco tonta.
Eu peguei o telefone sem-fio, que estava em uma mesinha ao lado do sofá onde eu sentava, e liguei para a emergência, explicando a gravidade da situação, e enfatizando o quão rápidos eles precisavam ser. Inventei que Olívia era a minha mãe e que havia sido esfaqueada por um homem, aparentemente drogado, que invadira a casa, na intenção de levar algo de valor. A história parecia ter incentivado a rapidez deles, ou o posto de saúde que recebeu a ligação era incrivelmente perto da casa de Janaína, porque em exatos dez minutos, dois homens, ligeiramente bonitos e vestidos de branco, batiam na porta da casa.
- Não esqueçam: para evitar confusão, vocês precisam voltar para o Lar, e entrar em seus respectivos dormitórios, sem serem percebidos, e claro, antes da bruxa superiora aparecer para a inspeção diária, ok!? Eu sei que pra você isso não vai ser difícil, certo, Carol!? - disse Olívia, baixinho, já começando a ser guiada pelos dois homens até o barulhento carro.
- Você me conhece, fica tranquila... e se cuida, Liv - eu disse, me despedindo de Olívia, que saia da casa, mandando um beijo com o braço ferido, se arrependendo, profundamente, depois.
Depois de trancarmos a casa, eu e Lavinho subimos para o quarto onde Paula e Janaína descansavam, e ficamos sentados no chão, ombro a ombro, de frente para a cama de casal, onde mãe e filha dormiam. Eu deitei a minha cabeça no ombro de Lavinho, evitando o sono que já teimava em chegar, e assim ficamos em silêncio por alguns minutos.
- Carol...? - disse Lavinho, quase sussurrando em meu ouvido, com a intenção de não me acordar, caso eu já estivesse dormindo.
- Oi - eu respondi, achando graça na atitude fofa de Olavo.
- Posso te perguntar uma coisa? - ele disse, meio envergonhado.
- Você acabou de fazer uma pergunta, não vejo razão pra não te deixar fazer outra - eu disse, tirando a cabeça do ombro de Lavinho, para olhá-lo de frente.
- Por que raios você decidiu esconder esse lance de ver espíritos, logo de mim e da Ína? - ele disse, em um leve tom de indignação.
- Eu não sei ao certo... - comecei a tentar responder, me sentindo envergonhada - Talvez... porque vocês poderiam achar que eu tava maluca, ou... simplesmente porque eu não queria arrastar vocês dois pra toda essa bagunça que a minha vida havia se tornado, desde que eu descobri que eu sou um tipo de Caça-fantasmas...
- Nós somos seus melhores amigos, Carol! A gente ia te dar força... e te internar, claro, mas sempre pensando no seu bem... - brincou Lavinho, me fazendo rir, mesmo em um momento como aquele.
- E eu ficaria muito grata, pode acreditar - eu disse, bagunçando o seu cabelo, super lisinho, o oposto do de Léo.
Ele riu, e me encarou novamente...
- Posso te fazer outra pergunta? - ele disse, mudando totalmente a sua expressão, ficara mais sério.
- Vai nessa - eu disse, me preparando.
- Você já... viu o Léo alguma vez... quer dizer... o espírito dele? - ele perguntou, receoso.
Eu deveria estar esperando por aquela pergunta, mas Olavo me pegara totalmente despreparada. Eu fiquei olhando para ele, que pareceu perceber o quanto a pergunta me assustara, pois desviou o olhar, quase com vergonha. Eu poderia ignorar a pergunta, mas decidi que Olavo, mais do que ninguém, tinha todo o direito de saber que o espírito do seu melhor amigo ainda vagava pelo meu quarto.
- Ele está no meu quarto agora... e muito preocupado, provavelmente - eu disse, tocando o seu rosto para que ele voltasse a olhar para mim.
Por alguns segundos, Olavo não disse nada, só ficou me olhando, como se ainda reformulasse em sua cabeça o que eu acabara de dizer. Foi quando Janaína se levantou da cama, freneticamente, como quem acorda de um terrível pesadelo, fazendo eu e Olavo nos abraçarmos de medo, aos berros, em uma cômica cena.
- Meu Deus!... O que houve comigo? - ela perguntava, ofegante. Sua camisola e rosto encharcados de suor - MÃE!? - ela gritou, ao se deparar com Paula, terrivelmente ferida e inconsciente em sua cama - Gente, o que aconteceu? Por que eu tô em casa? O que houve... aqui? - ela perguntou, olhando em volta do quarto destruído.
Eu olhei para Olavo, pedindo socorro.
- Boa sorte com isso - ele disse, fugindo do meu olhar e da conversa que eu estava prestes a iniciar com uma Janaína assustada e confusa.

Um comentário:

  1. E a história cada vez mais com um supense único e enigmático. A forma como escreve prende a atenção do leitor, assim sem rodeios.
    Uma boa semana!

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