quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Capítulo 2 - Recomeço

Era tudo muito real. Eu podia dizer que era de fato ele, me beijando ferozmente, se não fosse pelo frio incomum que tomou conta do meu corpo, no instante em que Léo tocou a minha face. Quando ele finalmente me deixou respirar, fechei bem os olhos na intenção de não ter que encarar os dele. Estava com medo; uma reação perfeitamente normal para alguém que acabara de ter a cabeça quase arrancada pelo beijo de um fantasma.
- Não precisa ter medo - disse ele, calmamente.
- É muito... fácil pra você dizer isso... a-afinal não é você que está vivo e diante de alguém que... que deveria estar... morto! Ou será que estou errada!? - eu disse, gaguejando de medo.
Ele sorriu em resposta.
- Você continua linda.
- E você deveria estar morto, mas... continua... lindo, também - eu disse, tomando coragem de olhar para ele.
Tirando os olhos, que haviam perdido um pouco do verde intenso de antes, ele estava exatamente como da última vez em que eu o vira vivo, o mesmo corte de cabelo, usando a mesma camisa branca de manga comprida, em gola de V, exibindo parte de seu peito, o mesmo jeans, o mesmo par de All Star, e esbanjando o mesmo porte físico de nadador que eu tanto adimirava (ele, de fato, nadava. Ganhara duas medalhas de ouro para a escola). Me senti tentanda a toca-lo, pensei em mecher na sua franja, como sempre fazia quando namorávamos. Eu adorava mecher no cabelo dele, que ao contrário do meu; absurdamente preto e liso, era castanho e crespo.
- Isso... Tá errado! Você... Eu vi aquela bala atravessar o seu peito, e-eu estava lá quando você...
- Quando eu morri, eu sei, eu sei, mas... Eu estou aqui, agora, não estou? - ele acariciou o meu rosto, e o frio de sua mão me fez estremecer - Me desculpe - disse ele, recuando depois de ter percebido a minha reação ao seu toque.
- Não foi nada, é só que... você está... frio... incrivelmente frio.
- Huh... Faz sentido, não!? - disse ele, rindo.
- Acho que faz sim - concordei, também rindo.
Ficamos em silêncio, nos encarando, e quando ficou muito embaraçoso, desviamos o olhar um do outro, quase que ao mesmo tempo. Me levantei do chão e fui sentar na minha cama, Léo fez o mesmo, e ficou me olhando, esperando que eu quebrasse o silêncio, e foi o que eu fiz...
- Tá!... Desculpa, mas eu tenho que perguntar... - comecei, vacilante.
- Vai em frente - disse ele, calmamente, parecendo entusiasmado para ouvir a minha pergunta.
- Como é... morrer...? - perguntei, um tanto nervosa .
Ele suspirou, e começou a responder...
- Na verdade... é difícil de explicar... Eu não me lembro de quase nada do que aconteceu na 25, eu... só me lembro de estar nos seus braços - ele olhou nos meus olhos, e sorriu timidamente -... e havia sangue, em todo o meu corpo, e... eu me lembro de ter sentido essa paz incomum tomar conta da minha mente... E agora eu estou aqui.
- Só isso? - perguntei, visivelmente decepcionada.
- Ah, é claro! Eu esqueci de contar sobre as mil virgens com as quais eu passo a maior parte do meu tempo, enquanto curto o paraíso - disse ele, com o seu típico sarcasmo que tanto me irritava, e uma das muitas coisas que eu odiava no Léo, das quais eu passara a sentir falta.
- Nem depois de morto você consegue parar de ser irritante - eu disse, carinhosamente. Dei um beijo em seu rosto gelado, e me deitei, mantendo os meus olhos nele.
- E você continua adorando isso - disse ele, de maneira presunçosa.
Ele se deitou ao meu lado, olhando para mim.
- Se você fosse menos convencido, eu até assumiria isso.
- Você acabou de assumir - disse ele, sorrindo de leve.
Eu sorri, e olhei para o relógio. Faltavam apenas duas horas para que a minha mãe entrasse pela porta do quarto.
- Você vai comigo pra escola? - perguntei, estranhamente animada.
- Acho que não... Eu sinto que devo ficar aqui - disse ele, parecendo confuso.
- Então... quando eu voltar pra casa no fim de semana... você ainda vai estar aqui, certo? - perguntei, apreensiva.
- Sim... eu vou estar aqui... te esperando - disse ele, confiante.
- Sério? - perguntei, animada e apreensiva, ao mesmo tempo.
- Sim... sim, eu vou estar, você vai ver! Eu não quero mais te deixar.
Dessa vez foi eu que o beijei, eu que quase arranquei a sua cabeça, nem mesmo o frio do corpo dele parecia mais me incomodar. Eu estava feliz, estranhamente feliz, dadas as circunstâncias. De repente eu não tinha mais dezesseis anos, eu me sentia renovada, me sentia com quatorze anos, quando Leonardo, também com quatorze anos, me pediu em namoro, e eu o respondi com aquele que seria o meu primeiro beijo. Era como se nós dois estivéssemos recomeçando o nosso namoro, e ali, na minha cama, estivéssemos nos beijando pela primeira vez. O sol começava a penetrar as brechas na janela do meu quarto, e tudo o que eu queria era ficar abraçada com ele, para sempre.