domingo, 22 de agosto de 2010

Capítulo 12 - Os três silenciosos



Eu abri a porta do meu quarto, sonhando com um banho para tirar toda a sujeira acumulada no meu corpo, graças à minha queda mais cedo na escola. E me surpreendi ao ser recebida pelo olhar acusador de Leo, que me esperava sentado na cama, com os braços sobre os joelhos, me lembrando um desses detetives de comportamento auto-destrutivo que costumam protagonizar filmes políciais.
- Oi, Leo. Cara, eu tô louca pra tomar um banho...
- Como foi a escola? - ele perguntou, sem mudar a expressão séria em seu rosto.
"Só o que me faltava", pensei, "ser intimidada por um fantasma".
- Entediante... como sempre - eu respondi, estranhando a frieza com que ele fizera a pergunta - eu... vou tomar um banho, não vou demorar, prometo - eu disse, começando a caminhar em direção a porta do banheiro, tentando evitar o olhar de Leo.
Eu tirei toda minha roupa, ainda um pouco suja de grama e terra, e entrei no chuveiro, deixando a água fria passear por cada parte do meu corpo. Eu tive a sensação de estar sendo observada, e olhei para alem do box do banheiro, e me deparei com Leonardo, escorado na porta, me encarando da mesma forma acusatória. Aquilo estava me incomodando de uma maneira indescritível.
- Leo, o que você... - comecei, pronta para me irritar com ele, até ser interrompida pelas suas próprias palavras de revolta.
- Você foi atrás dela, não foi? - ele perguntou, parecendo enfurecido - Você me prometeu... que não iria correr atrás de problemas, mas nem ao menos se esforçou para manter a sua palavra, não foi?
A pergunta me pegara totalmente desprevenida, como ele poderia saber? Eu fechei a torneira do chuveiro, encarando-o, provavelmente com cara de retardada, sem saber o que responder, até que decidi falar a primeira coisa que me veio a cabeça.
- Do que você... - eu ia começar a me fazer de desentendida, quando novamente fui enterrompida pela fúria de Leonardo.
- ME ESCUTA BEM, AMALLYA! - começou Leonardo, em um tom de voz que ele nunca usara comigo em anos de namoro - POR ALGUMA RAZÃO, EU CONSIGO SENTIR QUANDO VOCÊ ESTÁ METIDA EM PERIGO, E EU POSSO TE ASSEGURAR... sentir isso... seja lá O QUE FOR... não foi nada bom - ele terminou, e a revolta no seu olhar me fez imaginar que ele estaria chorando se pudesse. Ele não podia, mas eu sim (e você já deve ter percebido isso), e eu simplesmente não consegui segurar o choro naquele momento.
- Eu não posso ficar de braços cruzados... - comecei, enxugando as lágrimas do rosto.
- ENTÃO FAÇA POR MIM!... - berrou Leo, me interrompendo novamente, seu olhar era uma mistura de fúria e súplica - fique de braços cruzados... por mim - ele disse, e a súplica nos seus olhos me fez chorar ainda mais.
- Eu sinto muito... - respirei fundo para tomar coragem de completar a frase - mas eu não posso prometer algo que eu não pretendo cumprir - eu disse, tentando encara-lo de maneira decicida, para encerrar aquele assunto de uma vez por todas - Agora, eu realmente preciso tomar um banho... se você permitir.
- Ele olhou para mim, parecendo extremamente desapontado, e atravessou a porta do banheiro, me deixando sozinha.
Eu liguei o chuveiro novamente, me permitindo chorar, mas dessa vez eu não chorava por ter desapontado o fantasma do meu namorado, mas eu chorava de raiva, raiva por não ter a compreensão dele. Eu não podia fechar os meus olhos para seja lá o quê Helene estivesse tramando, sendo a única pessoa que poderia impedi-la. "Ele precisa entender", eu pensava, enquanto lutava contra a minha raiva, debaixo do chuveiro.

Leo desaparecera de vista, naquele dia. Mas eu podia senti-lo no meu quarto, ele só não queria aparecer, e por alguma razão, ele era capaz de se esconder de mim quando queria. Eu não tentei chama-lo, ou implorar pelo seu perdão. Quando a noite chegou, eu entrei no meu quarto, que desde a chegada de Leo, estava sempre tomado pelo frio, e me joguei na cama, me enrolando da cabeça aos pés com o edredom. Depois de alguns minutos deitada, eu pude sentir o frio ficando cada vez mais intenso, perto de mim. No mesmo instante, o edredom começou a se mexer, também atrás de mim, e sabendo o que tudo aquilo significava, eu me virei para o outro lado da cama, e dei de cara com um Leo ainda muito triste, aparentemente. Eu acariciei o seu rosto, devagar.
- Mesmo quando você desaparece... eu ainda posso te sentir, idiota - eu disse, dando uma risada leve, acompanhada por outra de Leo.
- Eu sei disso... eu só queria sumir da sua vista mesmo - ele disse, se concentrando para conseguir acariciar o meu rosto da mesma forma que eu fazia com ele.
- Eu não quero que você fique aqui sofrendo, enquanto eu estou no Lar ajudando alguém que realmente precisa de mim - eu disse, um pouco receosa de estar voltando ao assunto que deu início a nossa briga.
- Eu não posso evitar... Você é tudo o que eu mais amei na vida, e só de pensar que pode estar em perigo, eu... Você não pode me impedir de ficar preocupado com a sua segurança - ele disse, novamente com o doloroso olhar de súplica.
Mais uma vez, eu mudei de idéia, e decidi não contar a ele tudo o que acontecera no Lar durante a última semana, especialmente sobre a tentativa de Helene em possuir o corpo da pobre Gabriela. Eu pensava que deixando ele informado sobre a situação de risco em que Gabriela se encontrava, talvez Leo me apoiasse em tentar proteger a garota, mas depois das últimas palavras dele, eu percebi que isso só serviria para deixa-lo mais preocupado. E eu não podia culpa-lo por isso. Então, mais uma vez, eu optei pelo silêncio, e caí no sono, admirando aqueles tristes olhos verdes, cujo o antigo brilho fora brutalmente roubado pela morte.
Naquela noite eu sonhei... Eu e Leo andávamos pela 25 de março, que no sonho estava perfeitamente deserta. Eu segurava a sua mão com força, enquanto Leonardo não parecia nervoso, muito pelo contrário... ele sorria, um sorriso que eu vira raras vezes em seu rosto. Eu olhei adiante, e fiquei hipnotizada por uma atraente luz branca, que brilhava lindamente, bem na nossa frente. Eu olhei empolgada para Leo, e me desesperei ao ver que o seu peito sangrava, formando uma mancha vermelha que aos poucos brotava na sua camiseta branca. Eu comecei a chorar, enquanto sentia Leonardo sendo puxado da minha mão, indo em direção a luz branca. Tive a impressão de que ele estava estava sendo tragado pela própria luz. Ele continuava sorrindo, quando as nossas mãos se separaram bruscamente, e eu acordei... chorando feito uma criança que acabara de urinar na cama inteira, depois de ter tido um pesadelo.
Leonardo estava sentado próximo a janela, quando se levantou rapidamente, vindo em minha direção
- Calma, calma... -ele dizia - Foi só um pesadelo...
Eu não conseguia olhar para ele, a lembrança do sonho ainda estava forte na minha mente, era doloroso demais.
Eu enxuguei as lágrimas do rosto, e recuperei o fôlego.
- Eu... eu vou beber água - eu disse, saindo rapidamente do quarto, sem olhar para Leonardo uma só vez.
Desci até a cozinha, abri a geladeira, e enchi um copo de vidro com água, reparando que as minhas mãos tremiam incontrolavelmente. Eu bebi metade da água no copo, e não consegui conter as lágrimas. Eu tentava chorar baixinho, para que Leonardo não ouvisse. Dormi no sofá da sala, naquela noite.

Durante todo o fim de semana, eu e Leonardo evitamos o assunto discutido no sábado pela manhã, silenciosamente concordamos que nenhum de nós manteria a sua promessa; eu continuaria a "correr atrás de problemas" quando estivesse no Lar, e Léo continuaria a ficar zangado comigo por causa disso. Eu teria que aguentar os ataques de fúria do Léo, e mais ainda, ele teria que aguentar a dor de "sentir" que eu estou estava em perigo. E assim, com poucas palavras dirigidas um ao outro, o sábado e o domingo se passaram, e na segunda-feira de manhã, eu já estava pronta para ir a escola quando Leonardo veio me dar o seu beijo de despedida.
Eu senti o frio de seus lábios penetrar a minha boca e corpo, me dando conta de que seria a última vez em cinco dias que eu iria gostar de sentir aquele misterioso frio.
- É a sua última chance... Prometa que não vai estar em perigo - ele disse, com os lábios ainda muito próximos dos meus, talvez de propósito.
- Você não sabe o quanto eu queria poder te prometer isso... Até sábado, Léo - eu disse, friamente, me afastando dele e me retirando do quarto, em seguida. Desci as escadas rapidamente, sem olhar para trás, tranquei a porta da casa e corri para o carro da minha mãe, que já me esperava furiosa, como sempre.
- Que demora pra sair, Carol! Parece que gosta de chegar atrasada - ela disse, acendendo um cigarro, e começando a dirigir.

- Meu cú, que o Sonic Youth é melhor que Nirvana! Porra, Ína, pensei que o único que se drogava aqui era eu... - disse Olavo, dando início a mais uma discussão inútil sobre gosto musical.
- Se toca, gente! Comparar Nirvana com Sonic Youth, ou vice e versa, é o mesmo que comparar a Madonna com a Cindy Lauper, ou... os Strokes com a Artic Monkeys, ambas são bandas fodásticas, e tiveram o mesmo nível de importância pra o rock... - eu disse, tentando pôr um fim na discussão.
- Sonic Youth é puro barulho, Nirvana é poesia...
- Como se a poesia das letras do Nirvana fizessem alguma diferença pra alguém que se entope de drogas toda a vez que vai ouvir música! - disse Janaína, me fazendo rir pela primeira vez naquele dia.
- (risos) Vocês não fazem idéia... E nem NUNCA vão fazer, ouviram, mocinhas!? - insinuou Olavo, nos advertindo em seguida.
- Olha só que fofinho, tentando manter as amigas longe do mundo das drogas - brincou Janaína, dando um abraço em Olavo, seguido de um beijo meu na bochecha dele.
O som das nossas risadas foi interrompido pelo ensurdecedor som da sirene, que também interrompeu a nossa vontade de continuar rindo.
- Hora da forca - brincou Janaína.

As três aulas que antecederam o intervalo passaram se arrastando, como sempre, e eu não tirei o meu pensamento de Anita, até o momento em que a sirene tocou pela terceira vez. Desta vez, para evitar mais problemas, eu avisei a Olavo e Janaína que estava indo "dar um oi" para Olívia, e claro, eles não ficaram felizes com isso, mas pelo menos eu não saíra voando da sala feito um foguete, sem dar-lhes satisfação. Eles disseram que estariam me esperando no refeitório, mas se tudo desse certo, e eu estava sentindo que daria, eu não iria almoçar naquele dia.
Na biblioteca, Olívia parecia já estar esperando por mim, apenas indicou discretamente a sessão onde Anita encontrava-se, e voltou a sua atenção para pilha de livros sobre o seu birô.
- Você não vem? - perguntei baixinho. Estava realmente contando com a presença de Olívia durante a conversa com Anita.
- Não, eu achei melhor não, ela vai se sentir muito intimidada. Eu vou ficar aqui e torcer para que você não dê nenhuma cagada dessa vez, agora se manda! - disse Olívia, sempre muito carinhosa.
Eu caminhei devagar até a ala de história. No final do corredor de livros, estava Anita, sentada no chão e escorada em uma das estantes, com o "Harry Potter e o enigma do príncipe", nas mãos. Parecia muito concentrada na sua leitura, por um momento exitei em perturbá-la, com medo de estragar tudo, mais uma vez, mas ela já havia percebido que estava sendo obeservada.
- Oi, Amallya - ela disse, sem tirar os olhos do livro.
- Ah... Oi... - eu disse, um tanto sem graça - Gostando dos livros? - perguntei, ainda envergonhada.
- Claro! Teria chorado muito com a morte do Sirius Black... se eu pudesse... Eu adorei ele, assim como adorei o Cedrico, mas... ele também morreu... O que esses autores vêem de tão bonito na morte? Nunca vi gente pra gostar tanto de matar, como esses assassinos com suas canetas... assassinas! - ela disse, marcando o livro, e fechando-o com força, parecendo realmente revoltada.
- Bem... nenhum deles usa caneta, hoje em dia... - eu disse, tentando iniciar uma conversa tranquila, antes de tocar no assunto que realmente me interessava.
- Ah, é! Eu quase esqueci das máquinas de escrever - ela disse, ainda com raiva.
- Na verdade... Deixa pra lá - eu encerrei o assunto, temendo ter que explicar a respeito de computadores e internet.
- Então... a Gina e o Harry, hein!? Eles são tão fofos juntos, né? - perguntei, começando a me encher daquele assunto.
- A Gina é um saco, e o Harry, como todos os garotos, só se deu conta da existência dela depois que os seus seios começaram a crescer, e você não veio até aqui pra falar sobre Harry Potter - ela disse, me olhando fixamente. A menina era esperta, até demais para o meu gosto, sabia muito bem como me deixar sem graça.
- Eu... Tem razão... - eu disse, baixando a cabeça, tamanha era a minha vergonha.
- Eu soube o que houve com a sua amiga no dormitório... - ela disse, passando a evitar o meu olhar. Eu passei a encará-la, vendo que, finalmente, íamos conversar sobre o que eu queria de fato. Me aproximei dela, devagar, e sentei a seu lado - Eu nunca pensei que, mesmo depois de morrer, ainda seria atormentada pela Helene... - eu pude perceber que ela estava profundamente triste, como alguém quando chora, a única diferença é que não haviam lágrimas - Tudo o que eu tenho agora são lembranças... aliás, acho que é a única coisa que um fantasma pode carregar consigo - ela sorriu de forma triste - Eu tenho várias lembranças, Amallya... e nem todas são lembranças boas - dessa vez, ela passou a me encarar, o olhar ainda muito triste - Eu lembro da minha família, do meu primeiro e último beijo, dos meus amigos... desta escola, e principalmente... da Helene - sua expressão mudou completamente, eu podia jurar que ela iria sair correndo, exatamente como nas outras vezes em que me evitou, mas ela só respirou fundo, e continuou a falar - Nós eramos amigas... Não como ela era amiga do Caio e do Marcos, mas ainda assim a gente se gostava muito. Eu era uma garota muito solitária, por opção mesmo... e a biblioteca sempre foi o meu refúgio, por isso, eu quase não andava com Helene, Caio e Marcos... As vezes a companhia de um bom livro, pode ser bem melhor que a companhia de uma pessoa... Como Helene, Caio e Marcos viviam sempre juntos, e nunca se relacionavam com o resto da turma, não demorou muito para que eles ganhassem um apelido... Eles eram muito estranhos, e reservados, especialmente a Helene, por isso, todas as pessoas da nossa classe passaram a chamá-los de os três silenciosos... Logo, a escola toda, incluindo os funcionários e os professores, estavam os chamando assim pelas costas... Acho que é o preço que se paga por não ser como as pessoas querem que você seja... por ser diferente... Eu mesma já fui chamada de muita coisa, traça de livros está entre os apelidos mais carinhosos...
- Na escola, assim como fora dela, ninguém tem o direito de ser quem realmente é... e quem tem a coragem de fazer tal coisa, acaba sofrendo as consequências... Eu entendo perfeitamente, acredite - eu disse, quase que pensando alto. Então deixei Anita continuar.
- Assim como eu, eles três não pareciam ligar muito para tais provocações... E isso só irritava ainda mais as pessoas... Não demorou muito, até as provocações piorarem, é claro... Um dia, Helene foi humilhada na sala de aula por um grupinho idiota de garotas da nossa turma, depois de ter menstruado na cadeira onde estava sentada... No outro dia, ela começou a se vingar de todas elas, uma por uma...
- Uma delas era Lúcia... Lúcia Machado, estou certa? - perguntei, super empolgada.
- Eu não consigo me lembrar delas, por alguma razão... Mas acredito que sim, esse era o nome de uma delas... Como eu ia dizendo, dentre todos os atos de vingança, que incluiam; uma escarrada na boca, um belo soco no olho e um maiô sujo com sangue falso para simular uma menstruação, o pior de todos foi a Helene ter... você sabe... dormido (ela disse baixinho, sem precisão alguma) com o namorado da líder do grupo e ter espalhado para a escola inteira que tinha perdido a virgindade com ele... Isso foi o fim, daí pra frente as coisas só iriam piorar... (ela respirou fundo, novamente) Por mais que o Marcos e o Caio tentassem aconselhar a Helene de que tudo aquilo era absolutamente infantil e desnecessário, ela continuou com o seu plano, e sofreu as consequências por isso... Um dia, no vestiário feminino, depois da aula de educação física, a Helene estava sozinha tomando banho, quando ela foi abordada pelas quatro garotas que vinham sendo infernizadas por ela... As quatro juntas, deram uma surra na Helene que a fez ir direto para a enfermaria... ela sangrava muito, e foi encontrada inconsciente no chão do vestiário... Foi... foi horrível... eu a encontrei, e carreguei-a nos ombros, gritando por socorro... As garotas foram severamente punidas, mas nenhuma expulsa do colégio... Uma semana depois, a Helene estava recuperada... e enfurecida...
- Ela fez mais alguma coisa contra elas? - perguntei, meio que já sabendo a resposta.
- Sim... Foi durante a apresentação de A Paixão de Cristo, daquele ano, Lúcia e seu grupinho inteiro estavam na peça... E a Helene... ela...- a sua expressão havia mudado novamente, parecia estar muito assustada, e ao mesmo parecia se esforçar para lembrar de algo - A Helene... Tocou fogo no palco, durante a apresentação... Foi horrível, o palco inteiro estava em chamas, em questão de segundos... Helene deixou bem claro que ELA havia feito aquilo, rindo de toda a situação, enquanto todos tentavam desesperadamente sair do auditório... Ela havia ido longe demais... Claro que esse joguinho de vingança não iria parar... Então foi a vez de Lúcia e suas amiguinhas... Na época, corria um boato de que os três silenciosos tinham um tipo de... esconderijo secreto, dentro da escola... Mas isso não era só um boato... era verdade...
- Esconderijo secreto? - perguntei, totalmente intrigada.
- Eles batizaram de Refugium... Eles me mostraram onde ficava, uma vez, mas eu não quis entrar... claustrofobia, entende?... Helene me fez jurar que eu não contaria a ninguém sobre o lugar...
- Você ainda se lembra onde fica? - perguntei, esperançosa.
Anita demorou a responder, parecia muito distante naquele momento.
-Anita? - voltei a chamar a sua atenção.
- Não... eu não me lembro - ela respondeu, e eu não acreditei, mas preferi não insistir.
- O refugium, nada mais era do que um lugar secreto onde os três silenciosos podiam ser eles mesmos... sem serem julgados por ninguém... eles se sentiam... seguros de todos, ali... Lúcia queria saber onde era esse lugar... ela... - Anita apertou os olhos, como se tentasse se lembrar, ou se livrar, de alguma memória - ela insistiu e... - se Anita já não estivesse morta, eu gritaria por socorro naquele momento, pois a sua expressão era a de alguém que estava sentindo uma dor imensurável... a dor de uma lembrança que a atormentava, até mais do que a própria Helene.
- Anita?... - eu disse, precocupada. Sem me dar conta do quanto era ridículo estar preocupada com um fantasma.
- Eu disse... eu... eu quebrei a minha promessa... eu fui a culpada... - ela dizia, com uma expressão dolorosa em seu rosto.
- Culpada de quê, Anita? - eu perguntei, baixinho, muito próxima a ela.
- Por favor... me desculpa... Eu não quero mais... eu... não quero mais - ela disse, se levantando e correndo para a sessão vizinha, sumindo de vista.
Eu fiquei lá, sentada no chão da ala de história, tentando dar uma lógica para as últimas palavras de Anita, sobre o ocorrido no tal Refugium. O que teria acontecido lá? Do que Anita se culpava? "Mais mistérios... era tudo o que eu precisava", pensei, batendo a cabeça contra a estante atrás de mim, me arrependendo profundamente, depois.
- Porra! - eu disse, em alto e bom som, como reação a dor que eu sentira.