segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Capítulo 4 - Lar


- Me ligue se precisar de alguma coisa. Eu venho te pegar no sábado, e... é isso, se manda! - disse a minha mãe, me dando um rápido beijo no rosto.
- Mãe... será que a senhora não poderia me pegar na sexta à noite? - perguntei, sem muita esperança.
- Mas pra quê essa pressa? Eu pensei que você quisesse passar todo o tempo possível com o Olavo e a Janaína - perguntou, desconfiada.
- É que... a maioria dos alunos vão embora na sexta, e...
- Sinto muito querida, mas dessa maioria você não vai fazer parte, eu odeio dirigir à noite, e você sabe disso.
- Mas...
- Te vejo no sábado, Amallya! - disse minha mãe, com um olhar que finalizara aquela conversa.
Saí do carro, emburrada, e me dei de cara com o enorme portão de entrada do colégio interno Lar do Sagrado Espírito Santo, também conhecido pela sigla, de pronúncia desagradável, LSES e carinhosamente chamado de Lar. Faltavam cinco minutos para o toque de entrada, eu respirei fundo e entrei no pátio do colégio. No centro do lugar havia uma enorme estatua em mármore, do espírito santo, representado por uma pomba, e sobre a sombra de uma das asas da estátua estavam sentados os meus dois melhores, e únicos, amigos. Olavo foi o primeiro que me viu chegando. Ele se levantou e veio em minha direção, segundos depois Janaína fez o mesmo.
- Pensei que não fosse aparecer, aberração! - disse Olavo, dando um leve soco no meu braço.
- É... eu acordei tarde - eu disse, visivelmente desanimada.
- Oi, Carol - disse Janaína, me dando um beijo no rosto.
- Oi, Ína - eu sorri, rapidamente.
- E as férias? - perguntou Janaína, com sua voz baixa e, como sempre, sem olhar diretamente nos meus olhos, devido à sua timidez incomum.
- Uma merda... como sempre - respondi, entediada.
- Você não foi pra casa do seu pai, em Gramados? - perguntou Olavo.
- Não, ele teve que passar o mês inteiro viajando... Negócios... eu acho - eu disse, tentando não parecer triste. Pela cara de Olavo pude ver que ele se arrependera de tocar naquele assunto.
Olavo e Janaína, assim como todos no colégio, sabiam que meus pais haviam se divorciado há quatro anos atrás, desde então eu passara a morar com a minha mãe, e visitava o meu pai nos finais de semana. Eu nunca soube o verdadeiro motivo da separação e nunca quis saber, o que era um alívio para a minha mãe.
- A minha avó morreu nessas férias - disse Janaína, em uma tentativa desastrosa de mudar um assunto desagradável.
- Eu... eu sinto muito muito, Ína - eu disse, um tanto desconcertada.
- Obrigada, mas... eu já superei... Minha mãe tá voltando pra casa - disse, parecendo se animar.
- Que bom - eu disse.
- É, agora que a vovó morreu ela pode voltar da Itália, depois de quatro anos. Finalmente eu vou deixar de morar com a minha tia - disse ela, alíviada.
-É, vocês vão voltar a morar juntas, isso é muito bom - eu disse, realmente feliz por Janaína.
Quando ambas paramos de conversar, olhamos automaticamente para Olavo, que parecia muito distraído encarando a enorme estátua do espírito santo, e depois de alguns segundos ele finalmente percebeu que eu e Janaína estávamos esperando a sua colaboração na conversa.
- Ah! Bem... O meu vizinho morreu... atropelado por uma ambulância... quanta sorte, não!? Espera... Não, ele não teve tanta sorte assim - disse Olavo, começando a rir.
- Isso é horrível - disse Janaína, séria.
Eu não aguentei e comecei a rir, me sentindo um tanto envergonhada por isso. Janaína também começou a rir, e logo nós três estávamos rindo, rindo da morte e de como ela pode ser terrivelmente engraçada, às vezes.
-Não, vocês são horríveis - disse Janaína, tentando parar de rir.
O sinal tocou, abafando o som das nossas risadas. Olhei para Olavo e Janaína, e me dei conta do quanto eu havia sentido falta deles durante os últimos dois meses. Parei de pensar no fantasma que naquele momento deveria estár perambulando o meu quarto, me esperando, e tentei ignorar o medo que vinha me devorando desde o momento em que eu deixara a minha casa naquele dia, medo de que a última imagem que eu teria de Léo, em toda a minha vida, fosse a do seu triste sorriso, e de seus olhos verdes e distantes de mim, na janela do meu quarto. Mas naquele momento eu estava feliz por rever Olavo e Janaína, o que me deu a ilusória sensação de que nada mais no mundo importava, eu estava com os meus amigos, "não há NADA a temer", eu pensava... Como eu fui tola. Hávia TUDO a temer, eu só não sábia disso ainda.
Olavo e Janaína apressaram-se em direção ao imenso portal enfeitado com anjos de mármore, que antecedia a porta dupla da escola, eu fiquei para trás quando tentei segui-los e a minha mala se abriu despejando toda a minha roupa e livros. Comecei a enfiar as coisas de volta na mala, o mais rápido que pude, Janaína percebeu que eu ficara para trás e parou o Olavo antes que os dois entrassem na escola. Quando finalmente eu consegui fechar a mala, olhei em direção à estátua do espírito santo, e senti os pêlos da minha nuca e braços ouriçarem quando me deparei com uma garota do meu tamanho, que encarava fixamente o portal da escola, onde Olavo e Janaína eram as únicas pessoas que me esperavam. Ela não estava muito distante de mim, no outro lado da estátua, e não pude deixar de reparar que o uniforme usado por ela não parecia ser o do colégio. Sua pele era pálida e quase se confundia com o mármore branco da estátua, seu cabelo era preto, na altura dos ombros, e extremamente liso. Devo ter olhado para ela, sem dizer nada, por uns cinco segundos. Foi quando, vagarozamente, a garota se virou em minha direção, e eu me encantei pelo verde de seus olhos, porém, algo na sua expressão me assustou de uma maneira que eu nunca experimentara antes. O que quer que tenha me assustado em seu olhar, deu lugar a uma expressão de surpresa e quase indignação, o que me deixou ainda mais assustada. Eu olhei rapidamente para o seu uniforme e pude perceber, chocada, que o símbolo do colégio estava perfeitamente bordado em seu seio. "Mas como?", me perguntei.
- Amallya? - gritou Janaína - Algum problema?
- Não - eu respondi, e sem olhar para a garota novemente, eu continuei andando o mais rápido que pude até o portal da escola.
- O que houve? Você ficou, tipo, sei lá... dois minutos encarando o nada - disse Olavo, preocupado.
- Vocês não... - comecei - Encarando o nada? - perguntei, surpresa.
- Sim! - confirmou Janaína.
Eu tive vontade de olhar para o lugar onde a misteriosa garota deveria estar, mas simplesmente não consegui. Continuei andando em direção à porta dupla da escola, Olavo e Janaína me seguiram, mais confusos do que eu, naquele momento.
A palavra "fantasma" veio à minha cabeça, fazendo gelar cada parte do meu corpo. Eu andava o mais rápido que podia, enquanto Olavo e Janaína gritavam o meu nome, mas eu não tive coragem de olhar para trás até o momento em que abri a porta da minha sala de aula.