segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Capítulo 14 - O fim


Antes de sair do banheiro para pedir ajuda, eu olhei uma última vez para onde eu vira Helene, que não estava mais lá.
- Eu... vou procurar ajuda, você vai ficar bem, Gabriela, tente... ficar acordada - eu disse, ainda sem fôlego.
Saí desesperada do banheiro, pensando em encontrar a madre superiora o mais rápido possível.
- AMÉLIA! - eu repetia aos gritos, batendo com força na porta da Direção.
- Pelo sagrado coração de Maria! O que houve, menina? - perguntou a madre superiora, um tanto atordoada, ao abrir a porta.
- A Gabriela... ela tá... no banheiro feminino, ela... ela... precisa de ajuda - eu disse, ofegante.
- Calma, se não daqui a pouco quem vai estar precisando de ajuda é você - ela disse, tentando me acalmar, acariciando o meu ombro - Agora, me leve até ela.
Chegando ao banheiro feminino, a madre superiora soltou um grito de pavor. Ela se agachou próxima a Gabriela, e tocou os cortes em suas mãos, como se estivese tentando escondê-los, e começou a rezar baixinho.
- Meu senhor, perdoai essa pobre alma... - ela começou.
- Sério que você vai esperar os cortes sararem por um milagre divino!? - eu disse, indignada - Chama logo a droga da enfermeira!
- A madre superiora olhou para mim, meio perdida. Imaginei que aquela era a primeira vez que ela lidava com uma situação daquela.
- Chame... Chame a Carmén pra mim, na enfermaria, eu ficarei aqui mantendo ela acordada, VÁ! - ela disse, colocando Gabriela em seu colo, começando a acariciar o seu rosto, conversando com ela, baixinho.
Eu corri até a enfermaria, e acordei Carmén, explicando-a toda a situação. Chegamos o mais rápido possível ao banheiro feminino, onde Gabriela ainda estava consciente. Nós três carregamos a menina ensanguentada nos braços, e a levamos para a enfermaria, ao chegar lá, eu fui mandada de volta ao dormitório, depois que a madre superiora enxugou as minhas lágrimas com as mãos, e tentou me calmar, fechando a porta da enfermaria na minha cara, em seguida, me deixando sozinha no corredor dos dormitórios.
Não consegui dormir. Fiquei enrolada em baixo do meu lençol, a imagem de Helene em minha cabeça, até que a madre superiora entrou no dormitório para nos acordar. ela veio em minha direção e disse baixinho...
- Ela já está bem, e você tem uma história pra me contar - ela disse, me olhando desconfiada.
- A senhora não acha que eu...
- Eu não acho nada, mas você foi a pessoa que a encontrou...
- Ela já havia feito a besteira quando a encontrei, não tenho mais nada pra explicar - encarei a madre superiora de forma desafiadora, ela me lançou um olhar arrependido, e retirou-se sem dizer mais nada.
- O que houve? - perguntou Janaína, preocupada.
- Você não vai acreditar...
Contei toda a história a Janaína e depois a Olavo, no refeitório. Os dois ficaram boquiabertos, ambos comentaram sobre o quanto a madre superiora deve ter ficado desesperada, uma vez que os religiosos possuem uma visão terrível a respeito da tentativa de suicídio, o que, claramente, era o que havia acontecido.
- O que será que a levou a tentar uma coisa dessas, e do jeito que ela tentou...? - questionou, Lavinho, horrorizado.
- Essa garota parece ter muitos problemas, não repararam o jeito dela, ultimamente? Se afastou das amigas, não conversa com ninguém... Talvez sofra de depressão... Uma tia minha tinha isso, tentou se matar várias vezes, de diferentes formas, mas o marido sempre a impedia. Ela teve que ser internada - comentou Janaína.
- Ela precisa se mandar dessa escola o mais rápido possível - pensei alto.
- O quê? - perguntou Lavinho.
- Esquece... eu... volto já! - disse, me levantando rapidamente da cadeira.
- Carol, pra onde você... Puta que pariu! Você vai perder a aula - protestou Janaína.
- Eu volto logo - eu disse, começando a andar em direção a saída do refeitório, tentando me esconder da vigília das irmãs.
Depois de sair do refeitório, subi as escadas até a biblioteca, tomando cuidado para não ser vista por ninguém.

- Você tá louca, Carol!? Isso não é hora de aparecer aqui, você tem aula... - começou Olívia, preocupada.
- Relaxa, e me escuta, Liv! - eu disse, tentando chamar a sua atenção para o que eu estava prestes a relatar - A Gabriela tentou se matar...
- Meu Deus...
- Calma, eu ainda não contei tudo... Ela tentou se matar, e eu acho que a razão foi a Helene... A vagabunda não tá deixando a Gabriela dormir, ela fica sussurrando coisas no ouvido dela...
- Bem, isso é o que espíritos como a Helene fazem, Carol; atormentam pessoas, não tem nada de surpreendente nisso, assim como não há nada que nós duas possamos fazer a respeito... Neste momento, a melhor opção para a Gabriela seria dar o fora dessa escola, e nunca mais pôr os pés aqui - disse Olívia, olhando diretamente para mim, por cima de seu óculos vermelho...
- Eu também pensei nisso, vou tentar conversar com ela o mais rápido possível, isso não pode continuar assim...
- Ela está bem? - perguntou Olívia, preocupada.
- Sim, segundo a madre superiora ela já tá se recuperando...
- Graças a Deus - disse Olívia, aliviada.
- Eu vou indo agora, mas eu volto depois pra conversar com a Anita, tem algo que eu preciso perguntar a ela...
- Tudo bem , agora vai pra aula, menina! - disse Olívia, saindo de trás do birô para me conduzir até a porta da biblioteca.
Claro que o episódio da noite passada ficou passeando pela minha cabeça o dia inteiro. Não consegui prestar atenção em aula nenhuma, todos os meus pensamentos estavam voltados para Helene, e especialmente para Gabiela. Durante a última aula daquele dia, o professor Fernando teve que interromper a sua explicação sobre destilamento, quando a madre superiora entrou na sala, com uma cara de quem estava prestes a anunciar a morte de alguém.
- Com licença, professor... - ela disse, voltando-se para a turma - Boa tarde a todos.
- "Boa tarde" - a turma respondeu em um imperfeito coro.
- Primeiramente eu gostria de dizer o quanto estou triste por ter que comunicar o que eu... o que eu estou prestes a comunicar a todos vocês, mas... - de fato, a madre superiora aparentava ter chorado, mas naquele momento, tantava parecer forte - Bem, isso não vai fazer a miníma diferença, eu acho... - ela olhava para o chão nesse instante, como se procurasse forças para dizer seja lá o que ela estava para dizer - Neste ano de 2010, eu lamento dizer... a nossa escola terá que fechar as suas portas... para sempre...
A turma inteira entrou em povoroza, alguns alunos demonstravam profunda tristeza, outros indignação. Eu, Lavinho e Janaína trocamos olhares, sem saber o que dizermos um ao outro, diante daquela inesperada e aterradora notícia. Chorando, a madre superiora fez um sinal mudo com as mãos, ordenando que todos ficassem em silêncio, quando ela conseguiu fazer a turma se calar completamente, voltou a dizer...
- Devido aos recentes acontecimentos envolvendo alguns alunos... Nós teremos que fechar a instituição... Ninguém será prejudicado, a escola irá funcionar até o final deste ano letivo... Por motivos óbvios, também não será realizada a apresentação de A Paixão de Cristo deste ano... Aqueles pais que já desejarem providenciar a transferência...
Ouvir aquela notícia sobre o Lar, me fazia sentir como se estivessem roubando parte da minha vida. Eu vivera grandes momentos naquela escola, conhecera pessoas que eu jamais esqueceria, e agora tudo isso ia ser tirado de mim. Amélia não diria, mas todos sabiam que a razão para o Lar estar fechando era o desaparecimento de Barbara, provavelmente por meio de uma ação do advogado dos pais da garota, e eu não conseguia tirar a razão dos dois, ninguém poderia imaginar a dor de perder uma filha daquela maneira. Processar as pessoas que deveriam proteger a sua filha, e não o fizeram, era a atitude que qualquer pai ou mãe tomaria.
-... Assim como vocês, a direção da escola também lamenta muito essa notícia... - ela se controlava para não chorar mais, respirou fundo e voltou a falar - Isso é tudo... Obrigada, professor - ela disse, retirando-se rapidamente da sala.
A sala ficou em perfeito silêncio, até mesmo o professor Fernando não conseguiu prosseguir com a aula, e nos liberou mais cedo. Enquanto todos iam para o refeitório depois da aula, eu corri para a enfermaria, depois de ter dito a Lavinho e a Ína, claro. As vezes eu sentia como se os meus dois melhores amigos fossem na verdade meus pais, e eu tivesse que dar satisfação a eles o tempo todo, mas acho que isso é o tipo de coisa que acaba acontecendo nas grandes amizades.
Bati devagar na porta da enfermaria, e logo Carmén veio me atender.
- Pois não, Carol? - ela disse, sorrindo deliciosamente para mim.
- Oi, Carmén... Será que eu poderia ver como a Gabriela está? Eu prometo que vou ser rapida...
- É a Amallya? - gritou Gabriela, do fundo da sala absurdamente branca.
- Sim, querida - respondeu Carmén.
- Deixa ela entrar, Carmén, por favor - disse Gabriela, e devo confessar que aquilo me assustou um pouco.
Totalmente surpreendida, eu entrei quando Carmén me deu passagem, fechando a porta atrás de nós. Eu me aproximei de Gabriela, que estava palida, deitada em uma confortável cama, coberta com lençóis brancos, trajando algo que lembrava uma camisola azul-bebê. Parecia muito cansada, tomava soro, e tinha curativos em seus pulsos, tentei evitar olhá-los.
- Eu volto logo, meu anjo - disse Carmén, dirigindo-se a Gabriela, saindo da enfermaria, em seguida.
- Oi - eu disse, timidamente.
- Oi... Gostou das minhas pulseiras? - ela disse, dando um sorriso, e levantando ambos os braços.
- Bem legais - eu respondi, rindo da piada de humor um tanto negro da menina.
- Você tá bem? - perguntei, me sentando a seu lado na cama.
- Bem melhor... Obrigada por perguntar... Mas você não veio até aqui só pra saber como eu estou... Você tá mais interessada em saber o porquê de eu ter feito essa burrada, estou certa!?
- Se você quiser me contar...
Ela riu, e continuou a falar.
- Minha querida mãe... Eu disse que eu não queria voltar pra essa escola... E ela fez o que sabe fazer de melhor, desde quando eu era uma pirralhinha... Não deu a mínima... Acho que esse lance - ela olhou para os pulsos - foi mais uma tentativa de chamar a atenção dela, sabe? Eu não queria realmente morrer... apesar de a idéia ter parecido bem tentadora quando a maldita voz voltou pra minha cabeça...
- Foi por isso que você saiu correndo da sala, ontem? Você tava ouvindo a Helene?
- Sim... foi a primeira vez que ela fez isso na sala de aula... Eu entrei em pânico, e decidi sair dali, antes que começasse a agir feito uma maluca na frente da turma inteira...
- Algo me diz que eles já te acham uma maluca, de qualquer jeito, então não precisa se precupar quanto a isso - eu disse, conseguindo arrancar um pequeno sorriso do rosto triste e cansado de Gabriela.
Ficamos em silêncio por alguns constrangedores segundos, Gabriela parecia querer me dizer algo, mas eu fui mais rápida...
- Quando precisar de ajuda... - comecei.
- É, você já deixou isso bem claro... Eu procuro você - ela disse, sorrindo timidamente, e parecendo agradecida.
Eu sorri em resposta, e comecei a me retirar da enfermaria...
- Amallya!? - disse Gabriela, me fazendo voltar a atenção para ela - Obrigada... - ela disse, com um tímido olhar de gratidão, o que me deixou muito feliz.
- Se recupera, valeu!? - eu disse, me retirando, em seguida.
A enfermeira já voltava apressada para a sala.

Eu e Janaína conversávamos, deitadas em nossas camas, olhando uma para a outra. Janaína já apresentava os primeiros sinais de sono...
- Eu... (bocejou) Não quero estudar em outro colégio interno dirigido por fanáticos religiosos... eu nunca vou encontrar pessoas tão legais quanto você e o Lavinho, tipo... não é o tipo de coisa que acontece duas vezes, saca!?
- É um pouco cedo pra pensar nisso, não acha? - eu disse, rindo da preocupação de Ína.
- Nós só temos mais um ano juntos...
- Nós não vamos morrer ou coisa do tipo, Ína... A nossa amizade vai continuar com ou sem o Lar - eu tentava tranquilizar a minha melhor amiga, escondendo o quanto eu mesma estava triste com o fim do Lar, não queria contribuir para a tristeza dela.
- Promete? - ela perguntou, fazendo biquinho e me fazendo rir daquela idiotisse.
- Prometo, sua tosca - eu disse, batendo nela com o meu travesseiro.
Não sei exatamente quando nós duas caímos no sono, devo ter dormido por uma meia hora ou menos, quando fui despertada pelo som da porta do dormitório se abrindo, duas pessoas conversavam baixinho, enquanto entravam no quarto. Ainda um pouco atordoada por causa do sono, demorei um pouco para reconhecer as duas vozes...
- Sinto muito, querida, mas é realmente uma emergência... - disse Carmén, parecendo estar se desculpando por algo.
- Tudo bem, eu entendo, Carmén... Muito obrigada por tudo - disse Gabriela, se deitando devagar em sua cama.
- Amanhã eu estarei de volta bem cedo...
- Não acredito que vá precisar mais da sua ajuda, eu já estou me sentindo melhor, sério mesmo.
- Veremos isso amanhã, querida... Durma bem - disse Carmén, dando um beijo na testa de Gabriela, e se retirando do dormitório, em seguida.
Carmén fechou a porta do dormitório, e o lugar foi envolvido pela escuridão novamente. Eu peguei no sono, quase que instantaneamente...
Eu abri os meus olhos para a escuridão do dormitório, aterrorizada. "Não, não, NÃO! De novo não! Não agora!"; eu repetia para mim mesma, enquanto sentia cada parte do meu corpo ser invadida por um frio terrivelmente familiar... Há algum tempo, me acostumara a pensar nele como "o frio da morte". Eu comecei a chorar, me achando uma idiota por isso. Imaginava, aterrorizada, que a qualquer momento Helene iria sussurrar algo em meu ouvido... O frio foi aumentando, eu podia jurar que escutava passos próximos à minha cama. Eu queria sair dali, me sentei na cama, visualizando a porta do dormitório, bem a minha frente... "Vamos... Corra!"...
- Você pode fugir, Carol... mas eu sempre vou te encontrar... SEMPRE - ameaçou a voz feminina, e mais uma vez, a sensação era a de tal frase estar sendo pronunciada muito próxima ao meu ouvido.
Eu sufoquei um grito, e pulei da cama, correndo desesperada até a porta do dormitório, sem me preocupar em evitar fazer barulho. Eu fechei a porta atrás de mim, e uma vez no corredor, corri para o banheiro feminino, e me tranquei na primeira cabine, chorando feito uma criança. Não sabia o que dera em mim. Eu não precisava ter medo da Helene e eu sabia disso, Olívia me garantira isso... Talvez tenha sido a voz... O ódio com certeza dominara aquele espírito, eu podia sentir toda a sua raiva e rancor só de ouvir a sua aterradora voz.
A porta do banheiro se abriu, e eu quase desmaiei de susto, tampei a boca com as mãos, e fiquei aliviada no mesmo instante, ao reconhecer a voz de Alycia...
- Fica aí, caramba! Eu volto já, prometo...
- Deixa eu entrar, qualé o problema? - disse Alexandre, parecendo querer ficar a sós com Alycia no banheiro feminino.
- O problema é que eu não quero... Agora vai me esperar na escada de emergência, ou eu não vou beijar nada... além da sua boca, hoje - Alycia encerrou a conversa, empurrando Alexandre para fora do banheiro feminino.
Eu não queria ser descoberta ali, por sorte Alycia escolheu a cabine ao lado da minha. Ela parecia estar urinando. Depois de dois minutos, saiu da cabine, indo direto para a pia do banheiro e ligando uma das torneiras, lavou as mãos e o rosto. De dentro do box, eu a obeservava por uma brecha da porta. A porta do banheiro rangeu, indicando que alguém mais entrara, seria Alexandre desobecendo a atual namorada? Percebi que não, ao ver a expressão de Alycia, ela parecia irritada e surpresa ao mesmo tempo.
- Você não deveria estar gemendo na sua cama, aberração? - perguntou Alycia, parecendo enojada.
Procurei uma segunda brecha na porta para tentar enxergar a outra pessoa. Me assustei ao ver que era Gabriela. Os curativos nos pulsos haviam sumido, e eu não gostei nenhum pouco disso, os cortes ainda estavam muito abertos, me arrepiei ao vê-los, ela encarava Alycia de forma ameaçadora, não parecia a mesma Gabriela... - Alguém esqueceu de tomar os remédios - murmurou Alycia, começando a se retirar do banheiro, sendo impedida por Gabriela, que esbarrou nela de propósito, parecendo querer dizer algo, ela apertava o braço de Alycia com força - Eu juro que se você não me largar agora... - começou Alycia, em tom de ameaça.
Gabriela ergueu o seu olhar para Alycia, e eu me assustei ao perceber que seus olhos estavam diferentes, o castanho habitual deles parecia ter sido penetrado por um branco espectral, o mesmo parecia ter calado Alycia...
- Transar com o namorado da melhor amiga recém-falescida, antes mesmo do cadáver dela esfriar, é uma forma muito estranha de demonstrar luto, não acha? - começou Gabriela, com uma voz gutural e amarga, muito diferente da sua voz tradicional.
- Do que você tá falando, sua...
- Eu devo admitir que você me superou, quer dizer... Eu e o Alexandre nos beijamos algumas poucas vezes, quando a Barbara estava ocupada demais tendo um dos seus surtos de popularidade, mas... Fazer isso depois da morte dela... já é ser vadia demais, até mesmo pra você, Alycia...
Em um rápido movimento, Gabriela foi atingida violentamente no rosto por um tapa...
- Gostou disso, sua psicopata? - perguntou Alycia, falando muito próxima a Gabriela, desafiando-a - A madre superiora pode ter fechado os olhos para a assassina que agora estuda aqui... Mas eu não!... Eu sei que foi você quem matou a Barbara, e pode ter certeza... Eu vou te fuder legal, sua vagabunda, você vai sair daqui direto pra um hospício...
- Sério? - disse Gabriela, virando-se para encarar Alycia, os cabelos caindo sobre o rosto, devido ao tapa - E você pretende fazer isso antes ou depois de chupar o pau do Alexandre?
Alycia tentou responder à provocação com outro tapa, mas foi lançada contra a pia atrás de Gabriela, antes que pudesse tentar algo.
- Minha vez - sussurrou Gabriela, tirando uma reluzente faca de cozinha de dentro da roupa, penetrando rapidamente o peito de Alycia com a arma.
Tudo aconteceu muito rápido, eu recomecei a chorar ali dentro da cabine, paralizada pelo medo, eu jamais imaginei que a pequena discussão das duas poderia chegar àquele ponto, eu tentei me mover, mas o meu corpo parecia não me obedecer, tamanho era o meu estado de desespero. Alycia se debatia, cuspindo sangue, Gabriela se preparou para dar mais outro golpe, e sem pensar duas vezes, eu abri a porta da minha cabine, que bateu violentamente na garota, derrubando-a no chão, a faca fora jogada para longe. Eu tentei segurar Alycia, que começava a desmaiar...
- Alycia? Alycia, fala comigo, por favor, fala comigo... - eu dizia, sacudindo-a em meus braços, ao perceber, desesperada, que a menina começava a fechar os olhos.
- Oi, Carol... Pensei que não ia participar da nossa brincadeira... - disse Gabriela, tendo se levantado do chão e recuperado a faca banhada em sangue, segurando-a firme, de forma ameaçadora, com mão direita.
- Eu não perderia por nada, Helene...
Ela correu em minha direção, e eu não tive tempo de pensar ou fazer mais nada, além de correr ao encontro dela, empurrando-a violentamente contra a parede para poder escapar de lá. Uma vez fora do banheiro, esperei ela aparecer, imaginando que estaria bem mais interessada em mim, e em instantes, ela apareceu no corredor, enfurecida, com a maldita faca na mão. Sem olhar para trás uma outra vez, eu recomecei a correr. Desesperada, eu ouvia os passos incrivelmente rápidos de Gabriela (ou devo dizer Helene?), em meu encalço. Eu corria em direção à escada que me levaria para o piso inferior, Gabriela parecia se aproximar de mim em uma velocidade incrível, o pânico me sufocava, me impedindo de correr mais rápido. Chegando à escada, eu senti a aproximação de Gabriela, seguida de uma dor nauseante, quando a lâmina da faca que ela segurava atravessou o meu ombro, me fazendo rolar escada abaixo após perder o equilíbrio. Só parei de cair quando fui jogada contra a parede onde a escada dava a curva. Eu sentia que ia perder a consciência a qualquer momento. As dores causadas pela queda se misturavam com a dor aguda do corte em meu braço esquerdo. Impossibilitada de me levantar do chão, eu já aceitara o meu fim, tentando ver o lado positivo nisso: "Eu poderia realmente estar com o Léo mais uma vez". Com muita dificuldade, eu ergui o meu olhar para o topo da escadaria, onde Gabriela estava em pé, a faca não estava mais em sua mão. Foi quando eu percebi que havia algo de estranho com a garota. Gabriela parecia estar lutando contra o espiríto em seu corpo, ela se debatia, aos berros, parecia estar sentindo uma dor escruciante, ela se ajoelhou, voltando a segurar a faca, antes jogada no chão...
- MEU DEUS, GABRIELA! - alguém gritou ao longe.
- Me desculpe - sussurrou Gabriela, que agora chorava, olhando para mim.
Eu começava a perder a minha visão, o meu corpo e a minha mente pareciam estar mergulhando aos poucos na escuridão, a última coisa que eu vi, e algo que me atormentaria para sempre, foi a pobre Gabriela cortando a própria garganta, vagarozamente, com a faca em sua mão.
Estava acabado... Helene finalmente conseguira cumprir a sua vingança, levando a vida de uma inocente... As trevas tomaram conta de tudo, anunciando um triste fim.