quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Capítulo 13 - Pedido de socorro


Depois de ter perdido Anita de vista, eu fui falar com Olívia a respeito de tudo o que a assustada fantasma havia me confessado, e tudo o que ela quase confessara.
- Olívia...? - eu disse, tentando chamar a sua atenção. Ela parecia muito concentrada na catalogação de uns livros novos que haviam sido doados para a biblioteca.
- Oi - ela disse, sem tirar os olhos dos seus livros.
- Você já ouviu algo a respeito dos três silenciosos? - perguntei, sem muita esperança de que Olívia soubesse de algo.
- Os três... o quê? - ela disse, finalmente olhando para mim.
- Deixa pra lá... E sobre um esconderijo secreto... dentro do Lar... Você já ouviu falar?
- Querida, eu sei de muitas coisas que aconteceram e que andam acontecendo nessa escola, coisas que algumas pessoas adorariam que permanecessem escondidas secretamente (ela disse, sarcasticamente), mas... eu não sei de nenhum esconderijo secreto não... e se é um esconderijo, pressupõe-se que seja secreto, não acha? - ela disse em tom de zombação, e voltou-se para o seu trabalho com a catalogação - Mas qual a razão para essas perguntas tão intrigantes? - ela perguntou, sem olhar para mim.
- Algo que a Anita me falou, depois eu te conto com mais calma, você parece muito ocupada.
- Bingo! Se manda daqui, querida - ela disse, sem desviar a atenção dos livros uma única vez.
Quando eu cheguei à mesa onde estavam Olavo e Janaína, a sirene tocou, indicando o fim do intervalo, e eu estava com tanta fome, que quase gritei de raiva.
- Alguém vai ficar com fome - brincou Janaína.
- Não é nenhum pouco recomendável tirar onda de alguém com fome, dona Janaína, principalmente se esse alguém for eu - eu disse, um pouco estressada.
- Ai que meda! - disse Lavinho, dando um tapinha na minha cabeça.
Gabriela vinha rapidamente em minha direção, encarando o chão, provavelmente para evitar o meu olhar, quando ela passou por mim, eu comecei a segui-la, insistindo para ela parasse para conversar comigo, um instante.
- Gabriela... - eu andava rapido, tentando acompanhar os seus passos - Gabriela... vamos conversar... - eu disse, tocando o seu ombro, amigavelmente.
- Não toque em mim, sua aberração! - ela disse, tirando a minha mão de seu ombro, violentamente, e voltando a sua atenção para mim - Eu só vou te dizer isso uma vez... Me deixa em paz... ou eu te parto a cara, sua anormal! - ela quase sussurrou para mim. Olhei para seus olhos, ela parecia mais cansada e perturbada que nunca.
- Eu só quero te ajudar... - eu disse, de maneira séria.
- Ajuda a mãe! Eu não preciso da ajuda de ninguém, quanto menos da sua - ela disse, me dando as costas e correndo em direção a saída do refeitório, desaparecendo de vista, em meio a multidão de alunos que voltavam para as suas salas.

Três dias se passaram, da forma mais vagarosa e entediante possível. Gabriela passara a dormir além do limite permitido pelas irmãs. Enquanto todas no dormitório já estavam acordadas, ela permanecia dormindo como uma rocha, apesar de acordar rapidamente, e assustada, ao sentir o simples toque de alguém. No intervalo ela dormia em cima da mesa, que somente ela ocupava, no refeitório. "Talvez a coitada não esteja dormindo à noite!?" - pensei, com medo de imaginar a razão para isso. Naquela quinta-feira, eu havia decidido, ficaria acordada, esperando todas dormirem, e iria até a cama de Gabriela só para ter a certeza de que ela estava dormindo bem. Era inevitável essa minha preocupação quase maternal com a Gabriela. A garota estava passando pela mesma situação que eu, a única diferença era a minha capacidade de lidar calmamente com isso (ou, pelo menos, mais calmamente do que a Gabriela), mas claro, não era a mim que Helene estava atormentando.

Eu encarava o céu acizentado daquela manhã de quinta-feira, deitada no colo de Janaína, que mexia deliciosamente no meu cabelo. Era intervalo, e eu e meus dois melhores amigos estávamos na estátua do espírito santo, em completo silêncio, cada um perdido em seus próprios pensamentos. É tão bom estar com pessoas que você ama de verdade, e que te amam da mesma forma, você se sente confortável para falar merda o tempo todo com elas, ou até mesmo ficar em silêncio absoluto, e o melhor de tudo é que você nunca é julgado por isso. As vezes, eu, Janaína e Olavo conversávamos no gramado da minha casa, até a gente não ter mais nada para falar um para o outro, então a gente se deitava na grama, e ficávamos abraçados em silêncio, olhando para o céu, as vezes até pegávamos no sono naquela situação.

- Você teria coragem de ficar com o Lavinho? - perguntou Janaína, como quem pergunta "que dia é hoje?", enquanto nós duas olhávamos para o teto do dormitório feminino, Ína esperando o sono chegar e eu esperando o momento certo de ir checar se Gabriela dormia tranquilamente.
- Que merda, Ína! Dorme logo, que o sono tá começando a fuder com a tua cabeça. Que perguntinha mais idiota! - eu disse, em tom de protesto, tomando cuidado para não acordar as outras garotas.
- Só responde, caramba! - ela insistiu, também tomando cuidado com o tom de voz.
- É o mesmo que perguntar se eu ficaria com você; a resposta seria NÃO, mil vezes, NÃO!
- Nossa, valeu! Eu sou tão não-pegável assim!? - ela disse, parecendo magoada.
- Você entendeu o que eu quis dizer, Ína. Eu te pegaria numa boa... se eu fosse lésbica, mas nessa vida não rolou, quem sabe na próxima!?
- Você não vai nem perguntar a razão pra eu te fazer essa pergunta? - ela disse, tentando me deixar intrigada.
- Tá, Ína... qualé a dessa pergunta incrivelmente idiota? - perguntei, me rendendo.
- Bem... eu perguntei, porque... Eu tenho certeza que o Lavinho ficaria com você, numa boa.
- Que ridículo, Ína! A gente é quase irmão...
- Ah, Carol! Vai dizer que você nunca suspeitou que o Olavo já tinha uma quedinha por você desde antes... -ela parou de falar, como se não quisesse terminar a frase.
- Desde antes do quê? - eu perguntei, de forma autoritária.
- Nada, eu... devo tá com muito sono mesmo, tô começando a falar merda.
- Ah, mas essa merda você vai terminar de falar! - eu disse, quase pulando pra cama de Janaína, e subindo em cima dela, prendendo os seus braços contra o colchão, ao som de seus gritinhos de protesto.
- Pára, Carol! Você tá maluca!? Vai acordar todo mundo! Sai de cima de mim, vai!?
- Só depois que você me disser desde quando o Lavinho tem uma quedinha por mim!?
- Olha, eu ando meio nostálgica ultimamente, lembrando de uns lance nada-a-ver, esquece isso, vai!?
- Janaína Marques, a senhorita sabe muito bem do que eu sou capaz quando quero arrancar um segredo de alguém, portanto... não... queira... me... testar - eu ameacei a minha melhor amiga, mas só de brincadeirinha.
Janaína riu e, percebendo que não tinha saída, começou a falar...
- Bem... desde antes de você e o Léo começarem a ficar... o Lavinho já demonstrava sentir algo por você, na verdade ele mudou muito depois que você e o Leonardo começaram a namorar, não se lembra? Ficou mais na dele, menos brincalhão, a gente chegou até a conversar com ele sobre isso...
- Sim, eu lembro disso... Mas não quer dizer que a razão tenha sido eu ter começado a namorar o Léo, aliás, de onde você tirou essa idéia de que o Lavinho sente algo por mim?
- Tá quase estampado na testa dele, Carol. Só você que não percebe, ou finge que não percebe, sei lá...
- Você tá delirando, Ína... Eu e o Lavinho somos amigos...
- E o que impede ele de querer ser algo mais que só um amigo seu? A gente não tem controle sobre o que sente, Carol... Você e o Léo também já foram amigos, se lembra?
E Janaína estava com toda a razão, eu só não queria admitir isso. Era muito estranho pensar no Olavo como algo mais que um amigo, e na verdade, eu nem queria pensar.
- Porra, Ína! Valeu mesmo, agora eu nunca vou olhar pra o Lavinho da mesma maneira.
- Você vai continuar olhando pra ele da maneira que você quiser, Carol... O que eu te contei hoje não vai mudar nada, e se mudar... bem, eu não vou ser culpada - ela deu um sorrisinho e me empurrou de cima dela - Agora volta pra sua caminha, vai.
Eu voltei pra minha cama, e fiquei encarando o teto do dormitório, enquanto Janaína se enrolava toda, preparada para se entregar ao sono. Caramba! Ter o meu melhor amigo interessado por mim era tudo o que eu menos precisava naquele momento. Já não bastava o que eu vinha enfrentando aquele ano no Lar, agora eu teria que lidar com um amigo e seus sentimentos (que de "amigáveis" não tinham nada) por mim. Como eu iria fazer Lavinho parar de gostar de mim, sem magoá-lo, e principalmente, sem destruir a nossa amizade? Primeiro eu teria que comprovar por mim mesma que essa suposição da Janaína era de fato verdadeira, e depois, dependendo do veredicto, eu tomaria uma atitude.
Sem querer, eu adormeci. Devo ter apagado por meia hora, ou mais, sei lá. Me levantei de supetão, como se tivesse me lembrado de algo muito importante que eu deveria ter feito, antes de cair no sono, e a lembrança tivesse feito eu acordar. E na verdade, era mais ou menos isso, eu não pretendia dormir até que tivesse certeza de que Gabriela também estivesse dormindo, sem ser importunada por nada nem ninguém. Assim que levantei, olhei em direção a cama de Gabriela. Como eu temia; a garota não estava dormindo, se revirava embaixo dos lençóis, e eu pude ouvir que chorava. Desci da cama e caminhei decidida até ela.
Gabriela? - eu disse, quando me aproximei o suficiente para conversar com ela, sem acordar ninguém.
Ela ficou imóvel por alguns segundos, e então saiu de baixo do lençol, e pela sua cara eu podia jurar que ia levar um soco dela, ali mesmo.
- Você tá querendo que eu te mate, fala a verdade - ela disse, tentando me intimidar com o olhar, sem muito sucesso.
- Eu tô querendo te ajudar...
- Ajudaria muito se você sumisse da minha vida...
- Você sabe que precisa da minha ajuda, Gabriela, só tem medo de admitir isso - eu disse, fazendo ela se calar e virar o rosto, evitando me olhar.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, ela encarando o outro lado do dormitório, e eu esperando que ela tivesse coragem de me olhar nos olhos. Quando eu percebi que aquilo não ia dar em nada, resolvi voltar para minha cama.
- Eu espero, do fundo do meu coração, que não seja tarde demais quando você resolver aceitar a minha ajuda - eu disse, começando a me retirar, quando...
- Ela sussurra coisas no meu ouvido... - disse Gabriela, timidamente, me fazendo parar para ouvi-la. Me voltei para ela, devagar - De noite, quando o colégio todo está em completo silêncio... eu escuto a sua voz... ela diz... coisas... coisas que eu não entendo, mas... que me assustam... as vezes parece que ela está se referindo a outra pessoa, e não a mim... Ela parece estar muito furiosa... Isso tem me deixado acordada a noite toda... não durmo direito há muitos dias...
- Eu não sabia...
- Então não venha me dizer que sabe pelo que eu estou passando... Você parece estar dormindo muito bem, na minha opnião - ela disse, voltando a se enrolar da cabeça aos pés.
Eu não consegui dizer mais nada. Eu realmente não podia imaginar o quanto estava sendo difícil para Gabriela conviver com a constante presença de Helene, afinal, não era através de mim que o espírito estava tentando se vingar de alguém do seu passado, e mesmo se Helene tentasse fazer algo contra mim, se Olívia estivesse certa, ela não conseguiria. A partir daquela noite, eu havia decidido que daria um tempo a Gabriela, e esperaria que ela viesse atrás da minha ajuda, quando se sentisse preparada. Eu só podia torcer para que ela estivessse preparada antes que fosse tarde demais.

A sexta-feira chegara, e mais uma vez eu me despedia de Olavo e Janaína.
- Se cuida, Carol - disse Janaína, correndo até o carro da mãe, que desta vez não viera comprimentar nem a mim nem a Olavo. Me perguntei se o nosso último encontro não teria sido o culpado por essa atitude, foi quando eu me lembrei que era típico da mãe da Janaína agir como uma perfeita vaca, então fiquei mais tranquila.
Eu e Olavo ficamos sozinhos por alguns minutos, e eu fiquei aliviada depois que o pai dele deu as caras no portão da escola. Desde a conversa com Janaína, a respeito do suposto interesse de Lavinho por mim, eu ficava um tanto desconfortável perto dele, e morria de medo que ele percebesse que havia alguma coisa estranha.
- Tchau, Carol... - ele disse, dando um beijo no meu rosto. Involuntariamente, eu recuei um pouco. Lavinho me olhou, um tanto desconfiado, e foi ao encontro do pai - Até segunda! -gritou ele.
- Até - eu respondi, e voltei para dentro da escola, louca para dormir e poder ir para casa no outro dia.

- Obrigado - sussurrou Leonardo, bem perto do meu ouvido.
Era manhã de sábado, e nós estávamos deitados na minha cama, encarando um ao outro. Eu ainda vestida com a farda do colégio, morrendo de preguiça de ir ao banheiro. Ele me olhava carinhosamente, parecia realmente grato, eu só não sabia o porquê.
- Pelo quê? - perguntei, intrigada.
- Você não se meteu em perigo essa semana... pelo menos eu não senti nada que indicasse isso... Obrigado - ele disse novamente, me dando um rápido beijo na boca.
- Ah! É... essa semana foi bem monótona. Eu não vi a Helene uma única vez - preferi não dizer ao Léo o quanto esse sumiço repentino da Helene me preocupava. Me dava a sensação de que ela estava planejando algo pelas minhas costas.
- Você parece desapontada... - disse Léo, contrariado - Deveria estar feliz com isso, não!?
- Não é isso, Léo... Olha, vamos mudar de assunto!? Eu passo a semana inteira naquela porcaria de escola, e quando tenho a chance de ficar dois dias longe de lá...
- Tudo bem, tudo bem... Vamos falar de outra coisa, sim... Ah! Eu estava me perguntando; há quanto tempo a gente não assiste os seus filmes do Quentin Tarantino!?
- Acho que a última vez que eu assiti foi com você... e a gente fez tudo, menos prestar atenção nos filmes - eu disse, rindo deliciosamente daquela lembrança, Leonardo fez o mesmo.
- Bem... agora acho que a gente vai poder assisti-los, afinal, eu não vou poder te dar uns amassos - disse Léo, com um sorriso safado no rosto.
- Dar uns amassos, Léo!? - eu disse, meio enojada com a expressão que ele usara.
- Qual o problema? - ele perguntou, ainda sorrindo.
- Nem se a gente pudesse dar uns amassos (zombei), eu toparia depois de uma dessas, de boa! - eu disse, finalmente me levantando da cama, tirando a roupa na frente do Léo, e correndo para o banheiro.
- Isso, pode provocar! Ah, se eu pudesse te pegar agora, você tava fu...
Na mesma hora a porta do meu quarto se abriu, e a minha mãe surgiu, com uma expressão estranha. Percebendo o que havia acontecido, eu saí rapidamente do banheiro, sem dar a mínima para o fato de eu estar nua.
- Oi, mãe...
- Você viu a chave do carro? Eu não consigo lembrar...
- Na sua mão, talvez!? - eu disse, olhando para a chave que a minha mãe segurava. Não, ela não estava ficando maluca, esse tipo de coisa acontecia com mais frequência do que se é possível imaginar.
- Ah! Claro, obrigada... - ela disse, balançando a chave, e acendendo um cigarro, em seguida - Filha... eu podia jurar que te ouvi falar sozinha ainda há pouco...
- Mamãe, quantos cigarros a senhora já fumou hoje? - eu perguntei, cruzando os braços, e espiando Leonardo pelo canto do olho. Ele ria de toda a situação, claro.
- Boa pergunta!... - ela disse, parecendo fazer esforço para se lembrar - Meu Deus, como eu queria me livrar dessa merda!
- A senhora já sabe qual é a solução...
- É, eu preciso transar, e transar muito! - ela disse, parecendo se arrepender em seguida - Você não ouviu isso, mocinha - repreendeu.
- Eu estava pensando em adesivos de nicotina, mas a sua idéia parece bem mais interessante...
- Vai tomar seu banho, dona Caroline - ela disse, dando um sorriso, que há tempos eu não via em seu rosto. Aquilo me deixou feliz por um instante, eu retribuí o sorriso mandando um beijo com a mão, enquanto ela fechava a porta do quarto.
- Eu e Leonardo rimos baixinho, olhando um para o outro. Eu me aproximei dele, toda sensual, e beijei os seus lábios. Eu senti o frio dele tomar o meu corpo, e estremeci, me afastando dele, institivamente. Caminhei de forma sensual até o banheiro, observando Leonardo, que sorria feito um bobão.
Aquele foi um dos melhores fins de semana da minha vida. Eu e Léo asistimos todos os filmes do Quentin Tarantino, e na noite de domingo, relembramos todos os melhores momentos do tempo em que a gente começou a namorar. Rimos muito quando eu mencionei um episódio em que nós fomos assaltados em uma pracinha, perto da casa do Léo, e depois que o assaltante pegou todo o nosso dinheiro e o meu celular, ele se despediu da gente, me parabenizando pelo "namorado gatinho". Eu lembro que ficamos olhando um para a cara do outro feito dois trouxas, até o assaltante sumir de vista, a partir daí foi impossível conter as risadas, mesmo sabendo que tinhamos perdido cento e cinquenta reais e um celular que custara duas vezes esse valor.
Na manhã de segunda-feira, foi até difícil me despedir do Léo. Não estava com a mínima vontade de voltar para o Lar, queria passar a eternidade trancada no meu quarto, acompanhada apenas do fantasma do meu namorado, e esquecer todos os problemas que me esperavam do lado de fora da minha aconchegante casa. Infelizmente, nós nunca podemos fugir da realidade, nem dos muitos problemas que ela envolve. Então lá fui eu, de volta para o Lar, sem fazer idéia de que a minha quantidade de problemas estava bem perto de aumentar drasticamente.

Depois de me despedir de dona Olga, e descer do carro, quase fui empurrada no chão por Gabriela, que passou por mim feito um furacão. Ela tentava esconder, mas parecia estar chorando, precionando a mochila com toda a força contra o peito. Ainda concentrada em Gabriela, que se distanciava rapidamente, nem percebi que Olavo e Janaína se aproximavam de mim.
- Oi, Carol - disse Janaína, me assustando.
- Ah... oi, gente.
- Eu, hein! Tá toda nervosinha assim por quê - perguntou Lavinho.
- Nada não... - reparei que não haviam mais polícias vigiando a entrada da escola - O que aconteceu com os PMs? - perguntei, intrigada.
- Sei lá, mas também não tem nenhum polícial dentro da escola, devem ter desistido do caso da Barbara... Os pais dela estiveram aqui, mais cedo, disseram que o tempo fechou na sala da madre superiora - comentou Lavinho.
- Eles não podem desisitir de procurá-la assim, de uma hora pra outra, isso não faz sentido... -protestei.
- O que não faz sentido é a maneira como a Barbara sumiu... Ok, a escola é enorme, mas os políciais já procuraram em tudo que é canto, e NADA... - disse Janaína, até ser interrompida por Lavinho.
- Algum lugar eles devem ter deixado passar, ela não pode ter sumido assim, sem explicação nenhuma, a não ser...
- Lavinho, não começa! - advertiu Janaína.
- Lá vem... - comentei, já sabendo sobre o que Olavo ia começar a falar.
- Ah, gente! Vai dizer que vocês não acreditam em outras dimensões? Uma vez eu li um livro que dizia que qualquer lugar pode ser uma porta para outras dimensões, e se a Barbara encontrou um desses lugares e... - Lavinho foi interrompido pelo som da sirene.
- Eu nunca gostei tanto de ouvir o som dessa maldita sirene, como eu tô gostando agora - disse Janaína, me fazendo rir.
- Porra! Vocês nunca me levam à sério! - reclamou, Lavinho.
- A gente tenta, amigo, mas você não colabora... - disse Janaína.
- Eu levo você a sério, Lavinho... -comecei.
- Valeu, pelo menos você, Carol...
- Quando você não tá doidão, o que não acontece com muita frequência, né!? - eu disse, fazendo Janaína ter uma crise de risos.
- Muito engraçado, sério mesmo, tipo, não dá pra perceber pela minha cara, mas por dentro eu tô me acabando de rir... - disse Lavinho, parecendo meio chateado de verdade.
- Tão fofinho, com raiva... - eu o abracei e dei um beijo em seu rosto - A gente tá só tirando onda com a sua cara, Lavinho. Desculpa, vai!?
Ele não conseguiu conter o sorriso, e tudo ficou bem. Foi quando eu me dei conta de que não tava levando muito a sério o lance que Janaína me contara no dormitório, sobre Olavo sentir algo por mim. Eu não ia prejudicar a minha amizade com ele por causa de uma suposição, não mesmo! Nossa amizade era forte demais para se abalar desse jeito.
A irmã Joana dizia alguma coisa sobre números primos, formas geométricas ou hipotenusa, enquanto eu observava Alexandre sussurrar algo no ouvido de Alycia, que a fizera sorrir. Os dois pareciam estar no maior clima romântico, o que não me surpreendeu nenhum pouco. Não era novidade para ninguém na turma, que a Alycia tinha uma quedinha pelo namorado de Barbara, assim como não era novidade que Alexandre era um perfeito galinha. A minha atenção foi subitamente desviada, quando Gabriela se levantou da sua carteira, soluçando de tanto chorar, e saiu da sala correndo, sem dar qualquer explicação para a professora. Involuntariamente, eu me levantei para segui-la, sendo repreendida pela irmã Joana, no mesmo instante.
- Ninguém sai desta sala até eu voltar! - ela disse, se retirando para deter Gabriela.
Eu me sentei, sob os olhares de todos na sala. Olavo e Janaína me encaravam como se perguntassem "que porra foi essa?".
- Qualé, gente!? Vocês não viram o estado da garota? Eu fiquei preocupada, vocês não?
- Quer saber, Carol!? Você tá mais estranha que a Gabriela, ultimamente - disse Janaína, parecendo um pouco irritada.
Permanecemos em silêncio, até a volta da irmã Joana, que retomou a aula, sem mais explicações.
Durante o resto do dia, Gabriela não compareceu às aulas, imaginei que ela talvez estivesse na enfermaria, se recuperando de, seja lá o quê, ela estivesse sentindo para ter corrido da sala daquele jeito. À noite, no dormitório, Gabriela apareceu acompanhada da madre superiora. Ela ainda parecia muito abalada, e sem olhar para ninguém, deitou-se em sua cama, se cobrindo com o lençól da cabeça aos pés, pude ouvir algumas meninas rirem baixinho da ação de Gabriela.
- Ela parece estar péssima - comentou Janaína - O que será que houve?
- Não faço a mínima idéia - eu menti, imaginando qual poderia ser a razão para o atual estado de Gabriela, e um único nome me veio à cabeça: Helene.
Naquela noite, eu e Janaína compartilhávamos um cansaço indescritível, por isso conversamos pouco antes de pegarmos no sono, ao mesmo tempo. O meu sono, no entanto, não durou muito. Eu senti a escuridão do dormitório penetrar os meus olhos, ao abri-los no meio da noite. Olhei rapidamente para o relógio acima da porta do dormitório: 3 e 30 da madrugada. Não sabia exatamente o porquê de eu ter despertado naquela hora, mas me senti agradecida por tal fato ao ver a porta do dormitório ser aberta, lançando um raio de luz sobre o meu rosto, que vinha do corredpr. Alguém saia do aposento, muito rapidamente, pois não consegui ver quem era. Rapidamente, olhei para a cama de Gabriela, e pulei da minha da minha própria cama ao ver que ela não estava na dela. Corri até a porta entreaberta, quase me esquecendo de não fazer barulho. Coloquei a cabeça para fora do dormitório e chequei se havia alguém no corredor, a porta do banheiro feminino acabara de se fechar, fazendo um barulho que ecoou pelo corredor vazio. Sem pensar duas vezes, eu corri até o lugar de onde o barulho viera. Me posicionei em frente a porta do banheiro feminino e, inevitavelmente, me lembrei de todas as coisas que eu já havia presenciado ali dentro. Hesitei por um instante, acho que estava esperando a tal da coragem chegar, então, respirando fundo, eu abri devagar a porta, e senti... O frio vinha de dentro, como se estivesse tentando escapar, me arrepiei, fiquei congelada segurando a maçaneta da porta, por alguns segundos. Abri-a, e fui entrando aos poucos, não conseguia olhar para os boxes, eu encarava o chão, o frio tomou conta do meu corpo por inteiro, foi quando eu olhei para frente, e a vi, me encarando da mesma maneira sacana, como se estivesse se divertindo com tudo aquilo. Helene estava escorada na parede, como ela conseguia fazer aquilo sem atravessá-la eu não sei, mas ela parecia muito relaxada. Eu a encarei por alguns segundos, tentando não demonstrar medo. Pelo jeito que ela sorria, pude perceber que estava fracassando nessa tentativa.
- Sentiu a minha falta, Carol? - sussurou uma voz feminina e assustadoramente bonita , como se a pessoa estivesse ao meu lado pronunciado tal frase.
Eu recuei apavorada, não conseguia mais esconder o medo, eu ia abrir a porta para sair correndo dali, quando eu vi algo que me chamou a atenção. De dentro do box mais próximo a mim, havia um líquido vermelho-vivo, escorrendo lentamente pelo chão. Por um instante eu esqueci de Helene e abri rapidamente a porta do tal box... Eu sufoquei um grito que, com certeza, iria acordar todos nos dormitórios. Eu tampava a minha boca com a mão, quase mordendo-a, como reação a cena que eu presenciava. O choro, no entanto, eu não consegui conter, diante de uma Gabriela quase inconsciente e jorrando sangue por dois cortes feitos em seus pulsos, ela se debatia no chão, uma lâmina de gilete ensanguentada jogada ao seu lado. Ela tentou, com dificuldade, virar a cabeça em minha direção, o seu olhar era puro desespero, as lágrimas em seu rosto se misturavam com o sangue.
- Me... ajude... p-por favor - ela sussurrou, em um tom aterrador de súplica.