sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Capítulo 3 - Saudade


- Acorda, Amallya! Já passa das seis.
Eu acordei automaticamente com o barulho da porta, e a voz tediosa da minha mãe. Olhei para o lado, e para a minha total decepção, Léo não estava mais lá. Teria sido tudo um sonho muito real? - pensei, desesperada - Senti um misto de decepção e agonia, eu queria chamar por ele, queria chorar, mas não poderia fazer nem uma das duas coisas sem que a minha mãe achasse que eu estava louca.
- Vai preparar o seu cereal, que hoje eu não tô nenhum pouco a fim de fazer café da manhã reforçado - disse Olga, que ao contrário do que aparenta, sabia ser uma mãe carinhosa e até superprotetora, quando queria ser.
Minha mãe abriu rapidamente a janela do quarto, e eu puxei a colcha da cama para o meu rosto na intenção de evitar a luz do sol.
- Você tem vinte minutos pra tomar banho e se trocar. Eu vou te esperar lá embaixo - disse Olga, saindo do quarto tão rapidamente, que eu só consegui ouvir o barulho feito pelo seu sapato, em contato com o piso de madeira, antes de ver a porta do quarto se fechar com força.
Eu estava sozinha. Finalmente podia chorar, e foi o que fiz. Apertei a colcha contra o meu rosto, decidida a não poupar uma única lágrima de raiva e desespero. Sim, eu tinha raiva, e pior, eu tinha raiva do Léo, por ele ter me deixado, por ter levado aquele tiro, chamei ele de burro várias vezes, enquanto surrava a cama.
- Me desculpa, eu não queria ter te deixado, você sabe disso...
Eu gritei como nunca em toda a minha vida. Léo estava na minha frente, e de repente parecia assustado também.
- AMALLYA!? - gritou a minha mãe, e pude perceber que ela estava subindo rapidamente a escada, e vindo em direção ao meu quarto.
- Porra, Léo! Você me assustou - sussurrei para o fantasma à minha frente.
No mesmo instante, minha mãe entrou no quarto com a expressão de alguém que viera apagar um incêndio. Automaticamente olhei para o meu lado e fiquei surpresa ao ver que Leonardo continuava no mesmo lugar. Fiquei olhando para ele e para minha mãe, feito uma ratardada.
- O que houve, Amallya? Por quê você gritou daquele jeito...? - perguntou a minha mãe, e pude perceber que ela não notara a presença de Léo.
- Eu... foi... - eu gaguejava, enquanto tentava criar uma resposta, e olhava para Léo.
- Olha pra mim, garota! - disse a minha mãe, confusa.
- Era... um passaro... enorme... ele entrou no quarto de repente, mas saiu rápido, acho que se assustou comigo... depois que eu me assustei com ele - eu disse, tentando parecer convincente, mas a cara da minha mãe me dizia que eu não estava convencendo ninguém.
- E você ainda não está pronta pra escola por quê? Além de te atacar, o tal pássaro também roubou o seu uniforme? - perguntou ela, e pelo seu tom de voz eu percebi que não deveria responder.
Léo parecia se divertir com a situação, e isso me iritava. Fui em direção ao banheiro, envergonhada, e quando minha mãe não olhava para mim, eu lancei um olhar enraivecido para Leonardo, que em troca acenou para mim, com um sorriso presunçoso no rosto. Eu quase ri, mas me controlei, com a intenção de demonstrar a minha raiva.
Tirei a roupa, liguei o chuveiro e fiquei esperando pelo som da porta do quarto batendo para então poder tirar satisfação com o Léo. Não que eu estivesse realmente com raive dele, só queria saber o motivo pelo qual ele sumira enquanto eu dormia. A porta bateu, e eu soube que a minha mãe não estava mais no quarto, então abri o box do banheiro, enfurecida...
- Leonardo, como você pôde...
- Te deixar só?
Dei um grito abafado, quando me deparei com a presença de Léo, no lado de fora do box, puxei a toalha o mais rápido que pude, e me cobri. Leonardo ria, e a minha vontade era de dar um tapa na cara dele, algo que, obviamente, não seria possível.
- Eu não acredito que tive que morrer pra poder te ver nua... mas valeu a pena - disse ele, com o típico sorriso de lado, pontuado com uma piscadela, também típica dele.
- Sai... da minha frente, Leonardo - eu disse, nervosa, e atravessando o corpo dele, sem querer. A sensação foi quase como a que eu tive quando o beijei na noite passada, porém dessa vez o estranho frio tomou conta do meu corpo inteiro. Ficamos olhando um para o outro, ambos assustados.
- Não faz isso de novo - disse ele, sério.
Ficamos em silêncio enquanto eu retomava o folêgo.
-Me desculpa... é que... eu fiquei desesperada quando acordei e não vi você do meu lado. Eu pensei que...
- Que tinha me perdido outra vez - concluiu ele, tirando as palavras da minha boca, o que me deixou feliz - Amallya... - ele se aproximou de mim, e tocou o meu rosto, suavemente, o frio de sua mão me fez tremer um pouco - Eu prometo que você não vai me perder de novo... Em cinco dias você vai voltar pra este quarto, e eu vou estar te esperando, com toda a saudade que alguém pode sentir no mundo.
Eu estava prestes a chorar, quando senti o meu rosto ser puxado levemente, e em seguida o frio beijo de Leonardo.
- Sobre esse lance de voce ter que ficar aqui... - comecei, quando Léo me deu a chance de respirar - eu estava pensando... Será que você não pode ir comigo pra o colégio...?
- Eu acho que não vai ser possível - disse ele, decepcionado.
- Mas... eu não entendo, por quê?
- Bem... Aparentemente, eu não posso.
- O quê? Como assim, não pode? - perguntei, enraivecida. "Você é um fantasma, certo? Pode fazer tudo o que quiser", pensei.
- Eu... tentei, pouco antes da sua mãe entrar no quarto pra te acordar... mas não consegui nada além de ficar invisível pra vocês duas, algo que, aparentemente, foi desnecessário, afinal a sua mãe não me viu na segunda vez em que ela apareceu aqui... É como se... como se eu estivesse preso a essa casa. O que me fez perder a esperança de rever os meus pais, pelo menos mais uma vez - disse ele, com uma profunda tristeza na voz. Pensei em abraça-lo, mas eu não queria repetir a experiência de ter atravessado o seu corpo, acidentalmente.
- AMALLYA CAROLINE! VOCÊ TEM CINCO MINUTOS, OUVIU BEM!? E SEM TEMPO PRA O CAFÉ DA MANHÃ, mas que BOSTA! EU VOU TER QUE ESCUTAR RECLAMAÇÃO DA MADRE SUPERIORA NO SEU PRIMEIRO DIA DE AULA! - gritou a minha mãe, do pé da escada no andar de baixo.
- Eu tenho que ir - disse, bufando de raiva.
Fui para o banheiro e comecei a vestir o uniforme do colégio, devo ter feito isso em três minutos, peguei meu tennis e minhas meias para calçar no carro, e por último peguei a minha mala, que havia siso feita no dia anterior. Quando saí do banheiro, Léo estava sentado na minha cama, olhando distraído para a janela.
- A gente se vê em uma semana - eu disse, tentando chamar a sua atenção.
- Eu mal posso esperar - ele disse, esborçando um triste sorriso.
- Eu vou sentir sua falta - e então saí do quarto, sem conseguir olhar para ele novamente.
Descí a escada segurando o choro com todas as minhas forças, "Larga de frescura! Em uma semana você vai ver ele de novo!", eu tentava pensar. Dentro do carro, eu não conseguia escutar as reclamações da minha mãe. Olhei para a janela do meu quarto, e para minha total surpresa, Léo estava lá, olhando para mim. Eu acenei para ele, discretamente, para que a minha mãe, que estava do meu lado, não percebesse. O aceno não fora correspondido, o olhar de Léo parecia distante, apesar de eu ter certeza de que ele olhava para mim. Uma lágrima desceu no meu rosto, me perguntei se fantasmas também choravam, "Claro que não, sua estúpida!", pensei.