domingo, 18 de julho de 2010

Capítulo 10 - A garota nova


O medo no olhar de Anita, ao falar sobre Helene (ou seria não falar?), só me deixava mais curiosa para desvendar o passado daquelas duas meninas. Infelizmente, a assustada Anita era a minha única fonte de informação, e parecia não estar nenhum pouco interessada em abrir o seu anuário escolar secreto para mim. Eu não conseguia culpa-la, pois eu sabia, e ainda sei, como é difícil revirar o nosso baú de memórias que desejamos esquecer. Eu tenho um desses, e tenho certeza que você também, e adoraria poder trancá-lo e perder a chave para sempre. Por isso, resolvi dar um tempo a Anita, claro que eu não iria desistir de arrancar dela tudo o que conseguisse, a respeito de Helene, mas o momento certo chegaria. A semente da sua afeição por mim já estava plantada (obrigada por também gostar de Harry Potter, Anita), era só uma questão de tempo até que a gente se tornasse melhores amigas, e aos poucos ela revelasse o seu passado para mim. Eu iria aparecer sempre na biblioteca, para conversar sobre a leitura dos livros com ela, eu teria tempo, o tempo que Anita levaria para ler cinco livros da J.K. Rowling, para ser mais precisa.
No intervalo da quarta-feira daquela semana, eu estava sentada com Olavo e Janaína, em uma das mesas que ficavam próximas às janelas, observando Gabriela, que desde o incidente com Barbara, sentava sozinha no refeitório. A garota evitava olhar ao seu redor, provavelmente por medo de descobrir que todos a encaravam, como se ela fosse culpada de algo. "Eu não queria ser ela, nesse momento... pobre garota nova", pensei.
- Vai comer a sua batatinha frita? - perguntou Olavo. Aparentemente a pergunta era para mim, mas eu não prestara atenção - CAROL!? - ele gritou.
- OI LAVINHO! - respondi, alteando a voz, sem percerber, como resposta ao grito de Olavo.
- Graças a Deus! Ela está viva e conectada ao planeta Terra, novamente... - disse Olavo, sarcasticamente - A gente tá falando com você faz um tempão, e você só dá respostas como "Sim", "não", "isso foi só uma vez, e eu estava bêbada"...
- Bêbada? Quando eu disse isso?
- Tá vendo só!? Você nem se lembra de estar conversando com a gente - disse Olavo, ligeiramente magoado.
- Abre o Jogo, Carol. Tem alguma coisa errada com você... tá meio off, sei lá - disse Janaína.
- Eu... tô bem, gente... Muito obrigada por se preocuparem comigo, e me desculpa por estar distante, mas... eu tô bem, tá? - eu disse, agradecendo por ter amigos que, de fato, dão a mínima pra mim.
Eles se entreolharam, meio desconfiados, e eu pude perceber que nem Olavo, nem Janaína haviam acredito que eu estava bem.

À noite, todas as meninas estavam reunidas no dormitório, conversando baixinho, atentas para quando a madre superiora entrasse pela porta, cumprindo a inspeção noturna. Eu e Janaína conversávamos sobre uma vez em que estávamos eu, Ína, Lavinho e Léo, sentados no gramado da miha casa, brincando de verdade ou consequência, dividindo duas garrafas de vinho, e que, depois de ter fumado um cigarro de maconha, e ter bebido alguns copos de vinho, um tanto rápido demais, Olavo me roubou um beijo. Nessa época, eu e Leonardo já namorávamos há alguns anos, mas ele não conseguiu ficar com raiva de Lavinho, não havia sentido, e a amizade deles era muito forte para ser abalada por um beijo roubado em uma rodinha de verdade ou consequência, com uma garrafa vazia de vinho sendo usada como roleta para o jogo. Eu desviei a minha atenção de Ína, por um instante, e percebi, intrigada, que a cama de Gabriela estava vazia. Aquilo não me trazia boas lembranças, obviamente.
- Eu tenho que fazer xixi - eu disse, me levantando da cama, e correndo para a porta do dormitório.
- Vai nessa, mas vai rápido, a bruxa superiora já deve tá chegando - alertou Janaína.
Ao abrir a porta, observei o corredor, atenta para a vinda da madre superiora, ou de qualquer outra pessoa. Vendo que o corredor encontrava-se perfeitamente vazio, eu corri até a porta do banheiro feminino. Não sei explicar a razão, mas eu tinha esperança de encontrar Gabriela chorando em uma das cabines do banheiro, ou sei lá. Eu entrei no lugar, e a imagem do banheiro ensanguentado que fora cravada na minha mente uma semana atrás, inevitavelmente, me veio à cabeça com uma intensidade anormal. Em seguida... o frio. A minha cabeça latejava. A dor e, principalmente, o medo, me fizeram fechar os olhos com força. Foi quando eu ouvi uma voz feminina, que parecia vir da última cabine do banheiro. A voz sussurrava, assustada...
- Sai daqui... saia daqui... saia... saia... por favor... me deixe em paz, droga... - dizia a voz, que me parecia ligeiramente familiar.
"Eu não vou abrir os olhos, eu não vou abrir os olhos...", eu repetia na minha mente. Pouco a pouco o frio ia me tomando por inteira. Eu abri os olhos, quase que inconscientemente, me arrependendo no mesmo intante. Eu queria fecha-los novamente, mas ela me impedia. Eu pude sentir uma lágrima deslizar pelo meu rosto, enquanto encarava, estática, a imagem de Helene, parada de frente para a última cabine do banheiro feminino, e de costas para a última pia do banheiro, a pia onde o sangue de Barbara Regina fora derramado violentamente. Lentamente, Helene começou a desviar o seu olhar da cabine, para mim. Nossos olhos se encontraram... ela sorriu. Eu dei um passo para trás, foi quando a luz do banheiro começou a falhar, até que, aos poucos, se apagou por completo. O frio e a escuridão me paralizaram. Eu ouvi o som da porta de uma das cabines se abrindo, alguém parecia se aproximar de mim, eu dei alguns passos rápidos para trás, e dei de costas com a porta do banheiro, começando a procurar, desesperadamente, pela maçaneta da porta. Eu ouvi um "click" e a luz voltou novamente. Gabriela estava na minha frente, os olhos denunciavam que ela estava chorando.
- O que você tá fazendo aqui? - ela perguntou, confusa.
- Eu... - as palavras fugiam de mim.
A sensação era a de estar sendo despertada de um pesadelo, como um daqueles em que a gente sente que está sendo perseguido, porém não consegue correr rápido o suficiente para se salvar. Eu olhava para Gabriela, sem acreditar realmente no que estava vendo, tamanho era o meu estado de choque.
- Me responde, anormal! - ela disse, de forma arrogante, começando a me pressionar contra a porta do banheiro, apertando os meus braços - Você tá me seguindo, né!? Sua sapatão nojenta! O que você quer comigo, hein!? RESPONDE!
- Me solta, sua maluca! - eu disse, empurrando Gabriela com força, no intuito de afastá-la de mim, para finalmente poder retomar o fôlego por completo. Eu respirei fundo, e continuei - Eu não tava te seguindo...
- Eu reparei na maneira como você fica me encarando... - ela disse, com os olhos lacrimejando.
- Eu e toda a escola, você quer dizer - completei, indo até a pia, abrindo a torneira e jogando um pouco de água no rosto.
- Não como eles... você me encara diferente, tipo hoje no refeitório... pensou que eu não tava percebendo!? Vai dizer que é mentira? Que eu tô ficando louca!? - ela disse, começando a chorar.
Eu me aproximei de Gabriela, na intenção de tentar consolá-la, apesar de geralmente ser péssima nisso. Eu toquei, cautelosamente, o seu ombro...
- Eu posso imaginar como você se sente...
- Não, não pode! Ninguém pode! - ela disse, afastando a minha mão, violentamente.
- Eu não te culpo por nada... eu quero te ajudar...
- CALA A BOCA! Ninguém pode me ajudar, muito menos você - ela disse, começando a abrir a porta do banheiro, para se retirar. Eu não podia perder aquela chance.
- Eu sei quem é ela - eu disse, quase que inconscientemente.
Ela congelou na porta.
- O que disse? - ela perguntou, sem se virar para mim.
- Eu... a menina que anda aparecendo pra você... eu também posso vê-la... e eu sei quem ela é - eu disse, cuidadosamente.
Ela se virou para me olhar, seu rosto estava encharcado de lágrimas. Ela respirou fundo...
- Você é mais maluca do que eu imaginava - ela disse, enxugando o rosto com a própria camisola e retirando-se bruscamente pela porta do banheiro.
Gabriela estava, claramente, tentando ignorar o que vinha acontecendo com ela mesma. Talvez em uma tentativa desesperada de provar para si que não estava perdendo a cabeça... Mas ela estava, só não sabia até onde isso a levaria ainda. Eu precisava ajudá-la, e eu era a única pessoa que poderia fazer isso, na verdade. Me aproximar da estranha novata, nunca havia sido tão importante.

A sexta feira chegara, e eu quase não conseguia acreditar. A semana passara voando, e eu não havia aparecido na biblioteca desde o dia em que deixara a minha coleção de exemplares do Harry Potter, nas mãos de Anita. Era melhor assim, não queria arriscar perder todo o progresso que eu havia tido em tentar me aproximar dela, assustando-a novamente com as minhas perguntas sobre Helene. Eu não iria atrás de Anita, pelo menos não naquele dia. Na verdade, eu estava muito mais preocupada com Gabriela, quem a cada dia parecia se isolar mais das outras pessoas no Lar. Na hora do intervalo, ela almoçava solitária em uma mesa, sempre com a cabeça baixa. Ela podia ser detestável, mas eu não conseguia vê-la daquele jeito, eu precisava fazer alguma coisa para que Gabriela me deixasse ajuda-la, ganhar sua confiança de alguma maneira.

Naquela sexta, na hora do intervalo, eu reparei que Gabriela não estava no refeitório. Eu simplesmente não conseguia me controlar, eu tinha que saber onde ela estava, a todo o momento, só para ter certeza de que Helene não estava tentando mexer com a cabeça da pobre garota, novamente.

- Eca! Tem um cabelo na minha batata frita - reclamou Janaína.

- Tem certeza que é um cabelo? Sei não, hein! Tá me parecendo mais o pentelho de alguém - brincou Olavo.

- Que nojo, Lavinho - eu disse, tentando me mostrar mais presente na conversa. Nos últimos dias, Olavo e Janaína vinham reclamando bastante, e com razão, do meu distanciamento repentino.

- Eu não vou comer isso! - disse Janaína, afastando a sua bandeja.

- Legal - disse Olavo, pegando para ele a porção de batata frita que Janaína acabara de abandonar.

- Eu vou ao banheiro - eu disse, no intuito de procurar por Gabriela.

- Não demora - disse Ína, olhando enojada para lavinho, que devorava a porção de batata frita com cabelo extra.

Eu saí do refeitório e comecei a caminhar rapidamente pela escola, a procura de Gabriela. E para minha sorte, não demorou muito até que ela surgisse na minha frente. Não só ela, mas Alexandre, o namorado, ou seria ex?, de Barbara, e os dois pareciam estar tendo uma discussão. Embaixo de uma das arvores do pátio interno da escola, Alexandre parecia tentar intimidar Gabriela, pressionando-a violentamente contra a arvore. Tentei me aproximar mais para ouvir a conversa, mas eu não podia fazer isso sem que um dos dois me percebesse. Foi quando Gabriela alteou a voz, e eu pude escutar nitidamente:

- Eu já disse que não me lembro! Você também tava com ela naquela noite, seu idiota! Eu não vou assumir a culpa de algo que eu não fiz! - ela disse, chorando.

Com um empurrão, Gabriela afastou Alexandre, e começou a caminhar em direção ao lugar onde eu estava escondida. Rapidamente eu me escondi atrás de outra arvore, e esperei os dois se retirarem do pátio.

2 comentários:

  1. Muito interessante seu blog, vou te seguir ok?
    eu tbm criei um blog, inclusive coloquei um post sobre a pintura que vc colocou no início de seu blog, o quadro "O pesadelo" de Henry Fiseli.
    Se quiser, acesse meu blog, acho que vc vai gostar...mas ainda tem pouca coisa, pq criei hoje! http://artegrotesca.blogspot.com
    ate mais!

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  2. Olá Cris adorei seu blog,apesar de sua história me dar um pouco de medo (fico imaginando as cenas),vc escreve muito bem,claroq tem palavrões desnecessários,mas se vc melhorar isso fika perfeito,estou ti seguindo vo continuar lendo essa história,me siga se gostar do meu blog.Bjs

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